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Sonhar não faz mal a ninguém...?

por oficinadepsicologia, em 07.02.10

Autora: Irina António

Psicóloga Clínica

 

            Hoje em dia já não ouvimos outra coisa que o apelo para manter um olhar realista: sobre a relação interior connosco próprios e, claro, sobre a relação com os representantes do sexo oposto. As idealizações do antigamente são vistos pelo prisma de ironia. Um verdadeiro: “sejam prudentes!”

            E o sonhar? Na realidade, se a ideia do encontro com o homem dos seus sonhos não tocasse tão profundamente nas cordas da alma feminina, quem comprava os romances, revistas com fotografias e histórias sobre estrelas da música e do futebol, quem passava horas na conversa com amigas a falar sobre relações amorosas?

           

O sonho tem uma energia própria alimentada da necessidade não satisfeita. Os homens “que aparecem meramente nos sonhos”, com toda a sua diversidade, têm uma característica em comum: na fantasia com eles torna-se possível aquilo que não estamos a alcançar na relação com os outros, reais. Seja isto, um sexo “sem limites”, uma conversa íntima profunda ou um convívio pacífico de duas personalidades fortes. As saudades do amor-perfeito e a necessidade da nutrição sentimental pregam-nos partidas feitas dos sonhos “quase perfeitos”.

            Sem precisar o nome do pensador, recordo-me da sua ideia: “cada um de nós necessita de amor”. E quando o amar não é possível, espera-se o respeito; e se o mesmo é impossível – que sintam medo; e mesmo que isso também não seja possível – que tenham desprezo e ódio…. E a necessidade de se sentir amado acaba sempre por ficar no fundo de todas estas expressões emocionais, apesar de, depois de todas substituições, a mesma se tornar completamente irreconhecível.

            O famoso Stendhal, autor do tratado sobre variedades e mecanismos do amor escreveu sobre “a cristalização”: se colocamos um raminho da árvore ou outro objecto qualquer dentro de uma solução saturada de sal das minas de Salzburgo, este “objecto” começa a ganhar a cobertura de cristais, transformando-se em algo com um aspecto mágico… Torna-se completamente irrelevante o que este raminho era antes, haja sal suficiente na solução saturada. A necessidade de amar e ser amado são o sal que transforma em algo brilhante e atractivo tudo que podemos imaginar.

            As nossas necessidades podem desempenhar um “papel perigoso”, especialmente quando existe uma dificuldade na sua compreensão. Tal como no deserto temos a sensação de ver em todo lado o oásis com água e árvores, imaginamos os heróis “sensíveis e inteligentes” ou “homens que já não existem”. Precisamente por isso, manter o olhar e os pensamentos claros torna-se duplamente importante, quando a satisfação da necessidade de amar se encontra pendente.

            Cada necessidade forte leva ao estreitamento e à selectividade da percepção. Aquilo que está em falta começa a ser projectado e preenchido nos sonhos e nas fantasias. Assim, as características do “Tal Homem” são uma espécie de reflexo da nossa insegurança e incompletude. Ou seja, aquela pessoa dos nossos sonhos tem qualidades que, ao nosso ver, faltam em nós mesmas: uma jovem mulher que não quer crescer, procura um homem – “ conquistador”, “um apoio incondicional em todas situações da vida”. Uma mulher com dificuldade em expressar as emoções procura “alguém que compreende sem palavras”.      

         Daí um encontro com “o homem dos sonhos” pode transformar-se uma experiência traumática e de decepção: em vez de uma fantasia compensatória aparece uma figura masculina real que nem sonha que foi escolhida para equilibrar as “falhas” da mulher apaixonada.

            E apesar de tudo, há palavras a dizer em defesa das fantasias, até porque se elas existem, seguramente precisamos delas! Vejam em suas fantasias uma expressão daquilo que necessitam. Separem o mundo dos sonhos do mundo real e não façam visitas muito prolongadas, encarem os seus sonhos de uma forma amigável, e ao mesmo tempo com uma dose de ironia – e esta experiência vai trazer um bom proveito. As necessidades são muitas e conseguir satisfazer todas elas é uma ilusão. Por isso, “sonhar não faz mal a ninguém”. E ,como diziam os antigos, os sonhos têm uma característica perigosa – às vezes, eles tornam-se realidade.     

 

publicado às 15:37



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