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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autor: Luís Gonçalves
Psicólogo Clínico
Sempre e Nunca são palavras inflexíveis, redutoras e limitadoras da nossa vivência. Tanto em terapia como nos meus grupos de formação, elas surgem de forma quase cirúrgica e reveladora. Até mesmo em mim, reparo nelas de vez em quando! O que é facto é que têm um impacto esmagador no nosso comportamento e é isso que venho hoje falar consigo.
Se passamos por um momento particularmente difícil após o fim de uma relação, podemos pensar “nunca serei feliz” ou “as minhas relações são sempre dolorosas”, de entre muitos outros pensamentos possíveis. Estamos a generalizar de tal forma a nossa vida que construímos um padrão desligado das nossas experiências vividas no concreto. Parece que às tantas criamos uns óculos de lentes especiais: só vemos o que confirma o tal padrão, as experiências que o contradizem são evitadas e desprezadas automaticamente. Desta forma, estamos a fortalecer as nossas crenças sobre nós, os outros e sobre o mundo. Se acreditamos que nunca teremos emprego, qualquer não resposta a uma candidatura que tenhamos feito vai alimentar a crença inicial. Se acreditamos que sempre fomos preguiçosos, ignoramos os momentos em que não o fomos.
Tanto a nível individual como relacional, sempre e nunca são importantes impedimentos à mudança!
O mais negativo destes óculos é que conseguem distorcer tanto o passado como o futuro (e consequentemente, o presente): a nossa vida relacional não foi sempre horrível (mesmo uma relação complicada tem bons momentos…) e não temos qualquer prova de que nunca seremos felizes. Este tema também faz lembrar aquelas pessoas que passam na nossa vida e que têm comportamentos negativos para com quem se relacionam. Se confrontados sobre eles, referem que sempre foram assim ou que é o seu feitio. Estas não são mais do que grandes desculpas para não terem que mudar e, simultaneamente, desresponsabilizarem-se em relação aos efeitos destrutivos do seu comportamento: não sou mesmo eu que faço mal, é o meu feitio que é o responsável!
Pensamentos com nunca e sempre criam-nos emoções difíceis, como a tristeza, a vergonha, a raiva ou a culpa, para citar as principais. Estados estes que nos impedem de viver e que apenas irão reforçar as crenças inicias, já que nossas ações serão meras confirmações destas. Acabamos por viver presos dentro de nós próprios, com a sensação de que não há nada que possamos fazer para alterar a vida, “esta vida”. Ora vejamos mais este exemplo: se eu acredito que serei sempre rejeitado pelas pessoas de quem gosto, estarei nas relações na expectativa de que isso possa acontecer a qualquer momento (e se não acontecer, podemos até criar condições para que essa rejeição aconteça… é que mal ou bem, a rejeição será uma terreno conhecido. O “assustador” seria se o outro me amasse incondicionalmente, era a desconfirmação das minhas crenças negativas e a entrada numa zona nova e, por isso, assustadora). O meu comportamento verbal e não verbal estará influenciado e condicionado pela emoção medo (de ser rejeitado). Claro que “gato escaldado de água fria tem medo” mas, felizmente, a vida dá-nos milhões de alternativas e possibilidades. Só precisamos de deitar fora os óculos!
Como estamos a ver, as palavras sempre e nunca aparecem em muitas situações do dia-a-dia. Se olharmos para os estilos de comunicação que temos, encontramos grandes evidências do tema que lhe trouxe hoje. Ora vejamos, o estilo manipulador (ou passivo-agressivo) leva a que se usem as mesmas para ganhar controlo sobre o comportamento dos outros e limitá-lo. No estilo passivo de comunicação, o sempre e o nunca surgem em crenças que reduzem a capacidade da pessoa, engrandecem as dos outros ou fazem do mundo um local ameaçador. No estilo agressivo, o sempre e o nunca são usados como instrumentos de crítica, tirando valor às outras pessoas e marcar um ascendente claro sobre elas. O curioso é que o estilo de comunicação assertivo, em que defendemos os nossos direitos respeitando os dos outros, não precisa do sempre e do nunca para nada! Ser-se assertivo é estar-se focado em factos concretos no aqui e agora e com atenção em soluções de consenso, reparando em exceções e ignorando padrões de comportamento.
E para finalizar, deixo-o com um desafio para esta semana: experimente não dizer e não pensar nas duas palavras que vimos hoje, permita-se a ser flexível a esse ponto e depois diga-me o quanto a sua vida e a de outros mudou nestes dias!