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A mão aberta e o punho fechado

por oficinadepsicologia, em 03.09.11

 Excerto de “A mão aberta e o punho fechado”, de Francisco de Soure, in “Casos&Casos”, 1ª edição da revista de casos clínicos da Oficina de Psicologia, à venda em http://oficinadepsicologia.com/loja/shop/casos-casos/

 

Francisco de Soure

“(…)O primeiro laço que estabelecemos é o primeiro grande momento de aprendizagem. A ligação que se estabelece entre mãe e bebé inicia o bebé na sua aprendizagem a respeito do que são as interacções humanas, o que podemos esperar das pessoas e do seu papel na satisfação das nossas necessidades. A este laço os autores chamam vinculação. Quando a vinculação se estabelece de forma segura, a mãe está atenta aos pedidos do bebé, às suas necessidades, e dá-lhes respostas adequadas. Uma mãe que estabelece com o bebé uma vinculação segura reage de forma adequada às exigências do bebé, sabendo quando as satisfazer, quando respeitar os limites do bebé, e como ajudá-lo a aprender a acalmar-se dando o exemplo da sua própria calma e segurança. Quando o bebé tem um temperamento fácil, e a mãe se sente segura e tranquila no seu papel, este processo decorre de forma natural e fluida. Quando isto acontece, o bebé começa a aprender como e quando é adequado manifestar as suas necessidades, aprende a acalmar-se face ao seu próprio desconforto, aprende de maneira quase instintiva que quando não se conseguir acalmar a si mesmo poderá sempre contar com a mãe. No entanto, nem sempre isto acontece. Por vezes os bebés não nascem com um temperamento fácil, e também muitas vezes as mães podem sentir-se atemorizadas pelo seu papel, estar excessivamente preocupadas com a criança, ou demasiado atentas às suas próprias necessidades e medos. Quando isto acontece, é possível que a vinculação se estabeleça de uma forma insegura. Laços de vinculação inseguros caracterizar-se-ão por comportamentos de ausência de resposta adequada por parte da mãe: ou ficarem demasiado ansiosas quando o bebé chora, ou ignorá-lo, ou mesmo perder a calma e tornar-se agressivas (de forma recorrente, não apenas episódica!); podem ignorar a sua vontade de estar sós ou em paz e invadir os seus limites; podem ficar elas próprias demasiado aflitas com a aflição do bebé e pensarem apenas na sua imagem de si mesmas enquanto mãe, deixando de estar de facto atentas a ele e ao que precisa naquele momento. Quando se verifica um cenário destes, a aprendizagem do bebé é a de que as suas figuras cuidadoras poderão ser invasivas, ausentes ou hostis ao cuidar de si. Não lhe permitindo gerar expectativas consistentes a respeito do cuidado que poderá receber, ou expectativas de cuidados consistentemente negligentes ou desadequados. Claro está, nesta fase da vida todas estas aprendizagens estão muito aquém de ideias claras como aquelas que pensamos e geramos em adultos. Tudo isto antecede em muito as palavras, e expressa-se em termos de activação ao nível do nosso cérebro. Quando o bebé é sistematicamente ignorado e só recebe cuidado quando a sua expressão de aflição atinge níveis muito elevados, por exemplo, o cérebro poderá aprender que só activando em excesso assegurará a satisfação das suas necessidades e se reporá o equilíbrio interno.

 

À medida que crescemos, esta aprendizagem torna-se mais sofisticada. Ainda antes de sabermos falar, começamos a aprender através de mecanismos de recompensa muito simples: se fazemos A e recebemos B, sempre que quisermos B fazemos A. De igual modo, se sempre que C incomodar e nos retirarem o incómodo por fazermos D, faremos D sempre que sentirmos o incómodo de C. De modo inverso, se formos punidos sempre que fizermos E, pois claro, a nossa tendência será para evitar fazer E. Através destes mecanismos muito simples vamos acrescentando informação a respeito daquilo que podemos esperar do mundo em que vivemos, e dos outros que nos rodeiam. Se, sempre que uma criança chorar, lhe derem um doce, é certo que sabemos o que fará quando quiser um doce... De igual forma, estes mecanismos podem servir para aprendizagens distorcidas e com resultados prejudiciais, como quando uma criança aprende que se chorar por se magoar será castigada em vez de acarinhada.

 

Estas aprendizagens passam-se para além da dimensão do pensamento. Processam-se, também, ao nível das emoções e da satisfação das nossas necessidades mais essenciais ao nível da emoção: de protecção, de autonomia, de prazer, etc. Ao longo da vida, a informação organiza-se na nossa memória através de processos de semelhança e diferença, em que toda a informação se encontra ligada de uma maneira ou outra. À forma como esta informação se organiza em memória muitos autores chamam de esquemas. Estes esquemas são como que agregados de informação: contêm nomes, imagens mentais, associações entre as unidades de informação, assim como expectativas, tendências de comportamento e as correspondentes emocionais da informação que contêm. Quando nos deparamos com qualquer objecto, pessoa ou situação, o cérebro encarrega-se de ir buscar toda a informação a respeito dela ou o que mais semelhante conheça, e torna-a disponível para nós, tal e qual um computador em que corremos uma pesquisa. Estes esquemas são extremamente úteis! Permitem-nos tomar decisões sem desperdiçar tempo a analisar cada aspecto da situação: imagine o que seria ter que reflectir aprofundadamente cada vez que tivesse que dar um aperto de mão ou comprar um pacote de leite! Da mesma forma, são estes esquemas que nos ajudam a navegar e descodificar o complexo labirinto das nossas interacções sociais. Mais, permitem-nos seleccionar entre o nosso repertório emocional que expressão é adequada no momento. As emoções são muito mais que coisas que apenas sentimos. As nossas emoções informam-nos a respeito do comportamento que devemos exibir, mesmo a um nível biológico.

(…)

Quando as aprendizagens que fazemos são adequadas, os esquemas contêm informação realista e útil. Quando, pelo contrário, as aprendizagens que fazemos são disfuncionais, nomeadamente quando crescemos em contextos violentos ou simplesmente maltratantes, podemos desenvolver expectativas forte e irrealisticamente negativas acerca dos outros e de nós próprios. Da mesma forma, aprendemos a expressar emoção de forma desadequada, com consequências adversas. Por exemplo, se aprendermos que não podemos ou devemos expressar tristeza, é frequente que manifestemos zanga em seu lugar. Quando isso acontece, não só não recebemos o conforto de que necessitamos, como corremos o risco de ser agredidos em resposta. Dessa forma, não só não vemos a nossa dor aligeirada, como a vemos ainda agravada. Face a tudo isto, há que ter em conta que a nossa memória é um “órgão” extremamente fluido. Perante uma qualquer situação, o nosso cérebro regista essa informação nas suas componentes cognitivas e emocionais, e integra-a de forma harmoniosa no resto da informação, fazendo as devidas ligações e associações. No entanto, até este processo pode sofrer perturbações. Quando a situação em que nos encontramos é uma situação extremamente violenta ou carregada de medo ou dor, ou quando nos encontramos repetidamente em situações de mau trato, esta informação pode sofrer erros no seu processamento. É possível que se criem “nódulos” de informação carregada negativamente. No futuro, qualquer informação negativa que partilhe características com estes nódulos ser-lhes-á associada, aumentando a sua força para atrair mais informação. Da mesma forma, os estímulos no mundo real que se assemelhem à informação contida no nódulo activarão de imediato este nódulo e levarão a acções que se lhe adequem.

(…)

Estes nódulos configuram algo que se tornou um termo corriqueiro: Trauma.

Seja através de esquemas que contêm expectativas fortemente negativas e irrealistas face ao mundo, os outros e nós próprios, seja através de trauma, a violência na infância determina muito daquele que será o nosso comportamento em adultos. A forma como estas estruturas se consolidam e nos afectam na idade adulta será algo que a história do Rui nos permitirá compreender melhor e ver na prática.

(…)”

publicado às 11:33


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