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Autor: António Norton

Psicólogo Clínico

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António Norton

“Para ser grande, sê inteiro; nada teu exagera ou exclui; sê todo em cada coisa; põe quanto és no mínimo que fazes; assim em cada lago, a lua toda brilha porque alta vive.”  - Fernando Pessoa

 

Muitas pessoas acordam de manhã mais ou menos sempre à mesma hora, tomam o mesmo pequeno-almoço rotineiro, vão de carro e fazem o mesmo trajecto, ouvem o mesmo posto de rádio, chegam ao trabalho e recebem uma série de ordens que acatam sem pestanejar, executam o seu trabalho de forma maquinal e desinteressada, fazem inúmeras pausas, onde fumam cigarros e falam sobre os mesmos assuntos de sempre, almoçam no mesmo restaurante, voltam ao trabalho, fazem as mesmas pausas, saem do trabalho, fazem o mesmo percurso, vão para casa, não variam substancialmente na ementa do jantar, vêem um pouco de televisão desinteressadamente, fazem a sua rotina de higiene, fazem amor da mesma forma de sempre, e dormem pensando que já falta menos para a tão aguardada reforma, onde se esquecem que, à partida, terão muito menos energia física e mental.

 

Pode parecer um retrato extremado e demasiado pessimista, mas confesso que tenho algumas dúvidas que realmente o seja. Infelizmente, acredito que muitas pessoas vivem assim a sua vida.

 

O perigo desta forma de agir, de estar, de viver é a consequente dramática e altamente preocupante falta de criatividade, que fica estampada na passividade, apatia, desinteresse e perda de sentido existencial.

 

Haverá solução para esta situação?

Posso ser um optimista irrealista, mas acredito que sim. Acredito que podemos ser diferentes.

Para mim, a resposta está neste poema de Fernando Pessoa. A chave está na perpetuação da nossa identidade através da ferramenta extraordinária da criatividade.

A minha reflexão será justamente em torno desta duas ideias basilares: Identidade e criatividade.

Vou colocar a tónica do meu discurso sobretudo na questão da criatividade, que me parece ser uma questão chave para entender o marasmo, no qual, muitas pessoas escolhem estar.

 

 

Quando somos crianças a criatividade é algo natural e fundamental  para a criação do jogo simbólico, do acto mental da imaginação, da fantasia, do sonho, do “faz-de-conta”.

Todas as crianças desenham, pintam, fazem jogos de palavras, têm amigos imaginários, falam com os seus brinquedos, exploram e divertem-se com uma prenda extraordinária que lhes foi concedida evolutivamente: A capacidade de criar.

Ser criança é sinónimo de fantasia e criatividade e todos já fomos crianças…

 

E a criatividade é absolutamente fundamental para a criação e o desenvolvimento de uma identidade própria e única. Ser criativo é encontrar as suas próprias ideias e assim ir de encontro a sí mesmo, sem refugiar-se na impessoalidade atrofiante, fortemente herdada a partir da nossa sociedade que privilegia a imediaticidade,  O que entendo por imediaticidade? A obtenção de um fim sem o necessário esforço próprio do meio para o atingir. Ou seja, quando algo nos é oferecido de “mão beijada”, sem haver a definição de uma estratégia para o atingir. Se pensarmos um pouco, a nossa sociedade é cada vez mais orientada para esta linha de acção imediatista. A pouco e pouco, vai se esfumando a capacidade de projectar, de delinear estratégias de acção para atingir fins objectivos. Bebemos e sugamos o que nos é dado quase  sem acção crítica. Parece que perdemos a criatividade...     

 

Ser criativo é procurar e encontrar ideias próprias. Quanto maior for a nossa capacidade de construção subjectiva da nossa identidade menor será o risco da alienação e da perda de sentido da existência.

 

Existe uma ideia que contém algum perigo, pelo seu alcance limitativo que remete para a criatividade enquanto um dom que apenas alguns possuem. Existem pessoas que dizem que não são criativas. Sinceramente não acredito. Podem estar esquecidas do seu potencial criativo, mas duvido que não o sejam. Em crianças necessariamente experimentaram o espaço da criatividade e hoje em dia também o podem reencontrar. Já todos fomos crianças…

 

Existe outra ideia que defende que apenas algumas profissões são criativas. Também contesto tal ideia. Obviamente, existem profissões criativas por excelência: As profissões ditas artísticas. Mas em todas as outras podemos pôr algo de nós mesmos. Mesmo nas profissões onde existe um trabalho previamente delineado e com pouca margem de liberdade é possível desenvolver estratégias únicas e pessoais para lhe dar mais alguma cor e identidade.

 

Então porque não viver de uma forma muitíssimo mais criativa?

 

Acordar de manhã e tomar um banho com um gel de duche e um champô diferentes, tomar um pequeno almoço com cereais diferentes, experimentar percursos mais rápidos para o emprego, nomeadamente usando o GPS, fazer uma selecção prévia de músicas diferentes para ouvir no carro, procurar estratégias diferentes que permitam optimizar o seu trabalho, na pausa propor conversas diferentes, sobre assuntos novos, procurar receitas para fazer jantares diferentes, experimentar novas posições para fazer amor.

 

A criatividade é um espaço infinito de possibilidades e que está ao alcance de cada um de nós. Todos podemos voltar à “Terra do Nunca”. Esta é a grande mensagem do Peter Pan e que infelizmente muitos de nós já a esquecemos. Basta para tal acedermos ao nosso espaço criativo.

Cada momento da nossa vida pode ser inundado pela liberdade criativa e essa liberdade é saborosamente infinita.

 

Portugal atravessa um período de enorme crise económica. Esta crise pede soluções diferentes, estratégias diferentes. Mas não é só o governo que deverá impor estas mudanças. Cada um de nós pode ser criativo à sua maneira.

Já pensou que se pegasse numa hora do seu dia e se sentasse numa mesa com uma folha de papel em branco e uma caneta e se dedicasse a pensar em empregos alternativos, em ideias diferentes, muita coisa poderia mudar na sua vida?

 

O mundo é feito de ideias. São as ideias que fazem mover o mundo. E as ideias não são só dos génios, são de cada um de nós, na nossa orgulhosa unicidade!

Uma ideia é mais valiosa que horas de trabalho escravizante e alienante.

Mas para haver criatividade terá de haver também motivação para o acto criativo. Terá de acreditar em si e no seu potencial inesgotável. Quando estamos deprimidos é difícil acreditar no nosso infinito, mas a Psicoterapia pode fornecer ferramentas para se relembrar da sua natureza criativa e única.

Acho que vale a pena pensar nesta questão!

 

publicado às 18:50



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