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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autora: Ana Crespim
Psicóloga Clínica
A Perturbação Obsessivo-Compulsiva no Pós-Parto
A maternidade é sem sombra de dúvida um dos momentos mais marcantes na vida de uma mulher. No entanto, o facto de muitas vezes ser “pintada como cor-de-rosa” por outros elementos do círculo relacional da grávida, pode criar uma série de ideias erradas sobre este período tão determinante para mãe e bebé. Ouvimos muitas vezes dizer “Assim que tive o meu bebé nos braços, compensou tudo” – depois de um parto de 30 horas, com não sei quantos pontos à mistura; ou “Quando ouço a minha bebé chorar, consigo perceber o que ela quer”… Correcto, mas será que isto é bem assim? Ou, será que todas as mulheres são uma espécie de “chapa 5” e reagem todas da mesma forma? Não me parece. O cerne do problema aqui reside no facto de que este tipo de afirmações constitui-se com um possível peso para quem esta nesta fase. Segurar o nosso bebé nos braços pela primeira vez, um ser que cresceu dentro de nós, que carregamos no nosso ventre durante 9 meses, é sem dúvida uma experiência impar. Mas as dores, o rasgar da pele, os pontos, não deixam de estar lá. Do mesmo modo, continuamos a ser humanas e a sentir um cansaço extremo por falta de uma noite de sono seguida; angustiadas quando eles choram sem parar e nós não percebemos porquê; com medo de cometer algum erro que possa prejudicar o bebé; culpadas por sentir tudo isto e não corresponder às nossas expectativas de perfeição – afinal, se algumas vezes ouvimos como tudo isto é maravilhoso, se nós não o estamos a encarar dessa forma, se calhar é porque não somos tão boas mães como as outras. Já sentiu ou sente isto? É muito pesado, não é? Ainda por cima porque se torna tão difícil verbalizar isto – o que é que os outros pensariam de nós? Quem iria compreender? São factores como estes que levam muitas vezes à chamada depressão pós-parto. Aos factores já apontados, juntam-se as alterações hormonais (normais desta fase) e possíveis experiências de parto traumáticas, que podem conduzir a desequilíbrios emocionais mais ou menos graves. Imagine uma linha recta, um continuo entre normal e patológico. Este tipo de experiências, conjuntamente com o nosso estilo de personalidade, as experiências vividas e o apoio percebido, pode determinar a nossa posição nesse contínuo.
Nesta linha de ideias, e considerando que a ansiedade também aparece para fazer uma visita, as mães podem desenvolver perturbação obsessivo-compulsiva, ou seja, uma perturbação do foro ansioso, que se caracteriza essencialmente por pensamentos intrusivos, com carácter obsessivo, e por manifestações comportamentais – comportamentos repetitivos, ritualizados, que se destinam a “esvaziar”, embora temporariamente, a ansiedade extrema provocada pelos pensamentos. Este pode ser considerado um quadro reactivo às exigências e preocupações típicas da maternidade, sendo comum que tenha um carácter reincidente, isto é, pode ocorrer sobretudo nos casos em que a mãe já tenha manifestado este tipo de sintomatologia em algum período da sua vida. Estes quadros manifestam-se por uma preocupação exacerbada com o bebé, que se reflectem em comportamentos de protecção excessivos, que se vão desenvolvendo de uma forma ritualizada – por exemplo, perante a preocupação com micróbios e bactérias, dar banho ao bebé vezes sem conta, chegando ao ponto de provocar irritações na pele ou até mesmo feridas.
A boa notícia é que este tipo de quadros podem ser prevenidos. Segundo um estudo levado a cabo por Kiara Timpano (investigadora da Universidade de Miami, EUA), publicado no Journal of Psychiatric Research, a realização de sessões específicas de consciencialização dos primeiros sinais desta perturbação, conjuntamente com o ensino de técnicas para lidar com as mesmas no período da gravidez, conduzem a uma descida significativa da ansiedade durante o pós-parto e a uma maior habilidade para lidar com os pensamentos obsessivos que levam aos comportamentos ritualizados.
Muitas vezes podemos assistir a uma “combinação” – depressão e perturbação obsessivo-compulsiva no pós-parto, ou seja, elas não são mutuamente exclusivas e importa estar atento.
Como “mais vale prevenir do que remediar”, e para que possa aferir da necessidade de realizar um acompanhamento pré-natal neste sentido, importa também dar atenção aos sinais de vulnerabilidade – relembro: ter sofrido deste tipo de perturbação em algum período da sua vida, ter casos na família e/ou a predisposição para sintomatologia ansiosa.
Cuide de si! “Em prevenir está o ganho”.