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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autora: Susanne Marie França
Psicóloga Clínica e Hipnoterapeuta
Se queres que os outros sejam felizes, pratica a compaixão. Se queres ser feliz, pratica a compaixão."(Dalai Lama)
Sem me aventurar pelo terreno movediço e polémico da religião, gostaria de sugerir uma pequena reflexão sobre os conceitos de perdão e compaixão.
Há uns largos meses atrás deparei-me com um programa na televisão acerca do efeito terapêutico do acto de perdoar. Confesso que fiquei admirada ao perceber que as pessoas conseguiam nobremente perdoar as piores situações possíveis, e posteriormente emanar uma aura de calma e paz invejável.
Veio-me à memória uma paciente que tinha sido vítima de abuso sexual durante o período da infância e adolescência, e tinha conseguido com uma resiliência incrível, “colocar de lado” o trauma e construir uma carreira profissional solida, um casamento harmonioso e tido 3 filhos. Ninguém sabia do que se tinha passado na infância, uma vez que ela tinha conseguido sair da aldeia onde tinha sido criada, cortar relações com a família de origem e recomeçado a vida noutro local. No entanto, quando a sua filha mais velha, chegou à idade em que na sua infância os actos de abuso sexual tinham tido inicio, todo o seu passado, até agora um mundo invisível, como uma avalanche - “desabou” literalmente…
Procurou terapia de modo a tentar encontrar uma solução pratica para este problema. Este “segredo” tinha que se manter privado, e ninguém, nem o marido, poderiam saber do que se tinha passado na infância. Sentou-se no consultório com a convicção de que tinha que perdoar os perpetuadores dos abusos infantis, e assim a situação ficaria resolvida, e ela poderia continuar com a sua vida.
Quando começámos a analisar o verdadeiro significado do acto de perdoar, apercebemos-mos da imensidão desta tarefa e da pressão que ela estava a impor a si própria. A crença assentava no pressuposto de que o acto de contrição resolvesse o trauma de longos anos de sofrimento, dor e culpa, quase que, esquecendo e desculpando o facto de que uma “criança” tinha sido repetidamente e inocentemente vitimizada, e consequentemente, privada de uma infância saudável.
De modo algum se está a afirmar que o acto de perdoar não é justo e nobre. O que se está a questionar é se será uma solução para crimes medonhos como este; e como se executa o acto de absolvição de culpa, a quem nos magoou, traumatizou e moldou uma infância e adolescência?
Na verdade, cada caso é um caso, e neste em particular, foi efectuada uma longa e dolorosa viagem ao passado, no sentido de reconstruir a confiança na vida, nos outros e em nós. Decidimos em terapia “colocar de lado” o acto de perdoar e dedicarmos-mos ao acto de compaixão.
O dicionário “Webster” define a compaixão como: consciência profunda do sofrimento do outro aliado ao desejo de aliviá-lo (…). Esta definição por si parece implicar um processo dinâmico de empatia, ganho de consciência e cura. Foi iniciado o processo de reconhecimento do sofrimento desta “criança”, e trilhado um caminho longo, doloroso mas reparador, na direcção da cura e transformação.
A paciente criou passo a passo um mundo interior repleto de carinho, segurança e brincadeira. Construímos um local onde ela pudesse se sentir totalmente segura, estar acompanhada pela natureza e animais, e transportámos para lá igualmente o eu “adulto”, para que pudesse partilhar e relembrar como a infância, pode e deve, ser cor-de-rosa, risonha e feliz.
Posso estar errada, mas sinto que a compaixão, neste caso, foi um acto mais terapêutico e estruturador.
E quem sabe, se a compaixão pode ser um caminho seguro e firme, que por último, nos leve ao perdão?