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Conjugalidades - Parte 2

por oficinadepsicologia, em 13.08.12

Autora: Inês Franco Alexandre

Psicóloga Clínica

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Inês Franco Alexandre

Em terapia de casal, as crenças de cada um dos elementos sobre a relação tornam-se visíveis,  através do conteúdo do que me dizem – como quando explicitam o que desejam da relação ou o que acreditam serem os factores de (in)satisfação – e também através da forma que a relação assume, mesmo em sessão – se há um dos elementos que fala mais, se os dois têm igual espaço, se existem lutas ou competição na tomada da palavra . Através da observação destas dinâmicas vamos entendendo quando um dos elementos está, naquele momento, mais centrado na relação – no nós – e menos em si (quando, por exemplo, propõe passar mais tempo em casal ou lhe é imprescindível ter projectos a dois) enquanto o outro elemento está mais focado nos espaços de diferenciação (quando propõe mais tempo individual, fala mais sobre si e das coisas de que gosta, fala mais sobre o outro enquanto indivíduo separado de si, apreciando-lhe a individualidade). Este tipo de dinâmicas, resultante de uma diferença na perspectiva que cada um adopta sobre a relação entre o eu o tu e o “nós” (ver parte I), pode facilmente causar conflito. Quando sinto que o outro não age de acordo com o mesmo modelo que eu, surgem muitas vezes medos e inseguranças – se não está tão centrado em “nós” é porque já não gosta de mim, porque esta relação não lhe faz sentido, porque não retira prazer do tempo comum, porque não lhe basto – medos estes que também estão, na maior parte das vezes, relacionados com a nossa história individual.

 

Alguns casais dizem-me, com alguma surpresa, que a relação entre eles é diferente na sala de terapia do que quando estão sozinhos, ainda que discutindo os mesmos assuntos. Falam-me da importância de um árbitro, que tem como função a mediação entre eles. Talvez tenham razão, porque julgo que um dos factores de sucesso da terapia seja a maior consciência dos casais de que podem e sabem fazer diferente, e que o poderão fazer também sem a presença de um terceiro elemento. No entanto, não me coloco no papel de um árbitro, porque não considero que seja minha função a de impor regras e faltas. Perguntei-me então várias vezes o que faria com que os casais conseguissem discutir, na minha presença, de uma forma que lhes trouxesse menos sofrimento. Julgo que uma das razões será o facto de, apesar de não ser neutra relativamente aos temas que me trazem (desengane-se quem imaginar que a neutralidade é uma possibilidade para algum ser humano, ainda que terapeuta), permanecer sempre disponível para conhecê-los, individualmente. Ou seja, tendo a adoptar uma postura de curiosidade e compreensão em relação a estas três entidades – os dois “eus” e o “nós” – dando espaço a cada um deles e tendo em atenção os modelos relacionais que cada um dos elementos terá como base, quais as suas crenças, o que acreditam dar-lhes significado à vida e à relação. Isto permitirá que os casais redescubram que diferentes perspectivas não implicam que o outro não nos valida ou não gosta de nós, mas simplesmente que isso resulta de uma forma diferente de olharem para si e para a relação naquele momento das suas vidas, o que por sua vez depende em grande medida da história individual de cada um. E, claro, poderão também descobrir que o modelo do outro não se coaduna com as suas necessidades e crenças fundamentais sobre o que querem para si e para a relação.

 

A minha presença parece então permitir que cada um dos elementos entenda que é possível que as duas perspectivas coexistam, porque eu mesma entendo que as duas podem coexistir, sem que uma invalide a outra. Para isso, tento manter uma postura de abertura e curiosidade, dando-me espaço para ouvir e compreender cada uma das pessoas. Tento por um lado colocar-me no lugar do outro, e por outro lado entender como é que a perspectiva de cada uma das pessoas me faz sentir, enquanto indivíduo. Este exercício dá-me alguma flexibilidade que me permite compreender as duas perspectivas. Por último, tento colocar mais questões e fazer menos afirmações.

 

Para os casais torna-se difícil, é claro, fazer este tipo de exercício, sobretudo em alturas de conflito, quando os medos e as inseguranças emergem. Ao longo do tempo fui também entendendo que, para haver este movimento de abertura e compreensão de parte a parte, que implica descentrarmo-nos e entendermos que as nossas reacções imediatas são grande parte das vezes causadas por inseguranças nossas, seria importante ter sempre presente o amor que temos pelo outro e que ele tem por nós. Por mais banal que pareça, este é o grande reservatório de energia para lidar com o conflito e que permite aos casais não colocar uma grossa armadura quando discutem. Para que esse amor esteja presente, torna-se imprescindível promover o conhecimento mútuo, estimulando a curiosidade sobre a pessoa que temos ao lado, perguntando-lhe sobre si, sobre os momentos mais importantes da sua vida, os seus sonhos, projectos, ambições, princípios de vida. Não menos essencial, será lembrarmo-nos do que nos apaixonou no outro, nos momentos bonitos da nossa história comum. Centramo-nos com frequência no que corre menos bem na nossa relação, e esquecemo-nos de relembrar e de manter o que gostamos tanto nela. E por último, não posso deixar de mencionar a necessidade de nos focarmos nos detalhes – nos bilhetes, nas mensagens, nos abraços inesperados, nos sorrisos, nas surpresas. O essencial pode estar contido num detalhe.

publicado às 10:15



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