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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autora: Filipa Jardim Silva
Psicóloga Clínica
Paro, olho à volta e demoro uns segundos até que a visão deixe de ficar turva. Sinto-me como se tivesse sido atropelada por um camião em câmara lenta. Cinco caixotes e duas malas é o que ocupa três anos da minha vida. 1095 dias reduzidos a tão pouco espaço físico, mas arquivados numa biblioteca imensa dentro do meu espaço psicológico. As coisas pesam pouco, as recordações pesam toneladas. Fecho os olhos à espera que por um segundo esteja a ter um pesadelo, mas depressa o eco de sons nesta casa vazia me puxam para a realidade. Acabou. O amor juntou-nos, o amor separou-nos. Filmes em sucessivo correm dentro da minha cabeça: filmes de amor, de suspense, de terror, de drama por fim. Tivemos tudo, terminámos no nada, quando as palavras se esvaziaram, quando nos perdemos de nós.
O Sol invade o meu espaço sem pedir autorização, recorda-me que começou um novo dia, quase a gritar-me que também eu estou a começar uma vida nova. Empurro-me até a um banho frio que me acorda para o momento presente. Limpo as lágrimas, visto-me e arregaço as mangas. Os músculos estão fracos, a mente trémula, mas tudo se treina e fortalece. É tempo de começar de novo no dia de hoje com intervalos para chorar o ontem e instantes para sonhar o amanhã. Não tenho resposta a todos os porquês mas também não ambiciono ter. Fecho a porta aos “se’s” que se atropelam uns aos outros. Guardo o que há bom de guardar, e a cada dia que passa a respiração serena, o sono acalma e o apetite volta. Por uma história de amor não ter um final feliz não significa que foi um fracasso. Recuso-me a sintetizar três anos da minha vida a uma palavra como falhanço. Todas as gargalhadas que dei foram magia pura, todas as partilhas cúmplices conquistas, todas as aprendizagens feitas são heranças eternas que nem o tempo nem gente podem apagar. Ninguém me tira o amor que vivi mas também ninguém me pode puxar para a vida novamente, apenas eu. É tempo de recomeçar. Voltar a preencher os dias de maneiras distintas, descobrir sítios até agora desconhecidos, viajar sozinha, carregar sacos pesados, dar espaço a novas pessoas. Não é uma vida a substituir a outra, é uma nova vida. Passado algum tempo recordo com um sorriso a história vivida e sim, há noites chuvosas que me levam a derramar uma lágrima de nostalgia sobre o que foi e mais ainda podia ter sido. Mas o dia amanhece e revigora a alma, para esta que é mesmo uma vida nova. Estou agora numa relação comigo mesma, e como em qualquer início de relação estou a descobrir-me, a mimar-me, a tentar surpreender-me, à procura das palavras que me fazem brilhar o olhar, dos sítios que me aquecem a alma, dos cheiros que me arrepiam, dos sabores que me extasiam.
Esta é a história da Alice que podia chorar o ontem mas estaria a enevoar a visão do hoje e a bloquear o amanhã. Podia lamentar o que não resultou e até quiçá procurar culpados, mas estaria a reduzir uma história de amor a um desencontro final. Podia designar-se de pouco afortunada mas nunca gostou de rótulos. Preferiu arrumar a bagagem das viagens passadas e seguir com uma mochila leve no presente. A Alice não é mais que ninguém e conhece bem as suas fragilidades, mas desde que saiba que merece e quer ser feliz, tem as coordenadas necessárias que a orientam por entre as tempestades e conduzem a oásis perdidos. Porque é sempre possível começar de novo.