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Famílias alcoolicas

por oficinadepsicologia, em 10.09.12

Autor: Gustavo Pedrosa

Psicólogo Clínico

www.oficinadepsicologia.com

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Gustavo Pedrosa

 

O Alcoolismo (dependência e abuso do álcool) representam um dos maiores problema de saúde publica, que tem atingindo diversas gerações. Como em muitos outras patologias, o alcoolismo é vivenciado pelo individuo e, segundo a perspectiva sistémica, também pela sua família, designando-a de família alcoólica.

O alcoolismo surge, muitas vezes, como estratégia de resolução de dificuldades que o alcoólico encontrou para fazer face ao seu sofrimento, à sua dor mental. Mas o alcoólico leva consigo os elementos do seu sistema familiar para um processo circular, que consome recursos e esforços.

Este forte poder organizacional do álcool cria um elevado sofrimento psicológico em todos os membros da família, especialmente pela dificuldade em encontrarem meios adequados para exprimirem ou formularem um pedido de ajuda.

 

Mas, como se identifica afinal um problema de alcoolismo?

Quando o consumo de álcool escapa cada vez mais ao controlo do individuo, cria-se uma ligação vital ao álcool e aos seus efeitos. Existe então uma perda de controlo sobre o álcool e também sobre a sua vida, levando o alcoólico a controlar o meio para manter os padrões de ingestão.

 

Como afecta a família?

A organização familiar gira em torno do alcoolismo. Assim, a família deixa de se centrar na satisfação das necessidades dos seus membros, passando a orientar-se na manutenção da relação do consumidor com os seus consumos.

Perante isso, o sistema familiar tenta reequilibrar-se, procurando uma vivência em que os papeis e padrões relacionais sobrepõem-se à necessidade dos membros da família. Assim, a família modela o ambiente, capacidades, crenças, valores, identidade e até mesmo a pertença e dependência a esse sistema.

Cria-se então uma perturbação no relacionamento entre o individuo e os seus envolventes. O álcool passa a ser um elemento adaptativo que contribui para a manutenção deste “equilíbrio” da família, e que, pela sua presença, se opõe a qualquer mudança, promovendo a disfuncionalidade.

 

 

 

 

Co-Dependência:

Toda a família fica dependente do álcool. Mas há algumas famílias que resistem à invasão do álcool, pois não aceitam ou rejeitam o comportamento aditivo, levando à rotura conjugal. Assim, o primeiro passo para uma família alcoólica acaba por ser o comportamento do cônjuge , que necessita de aceitar a adição.

 

Na família alcoólica criam-se algumas “REGRAS DISUNCIONAIS”. Essas regras, não estando claras ou explicitas, são criadas, mantidas e vivenciadas por todos os elementos da família. Essas regras são:

 

1 – Regra da Negação: consiste na atitude de banalização, racionalização, de distorção da informação, de ameaças, sedução e confusão hierárquica que ocorre na família. Os estímulos são seleccionados, modificados ou excluídos, e o seu significado alterado ou ignorado, o que impede a resolução do problema. A Negação do problema leva ao bloqueio da pessoa com informação, pois ela não a revela ou faz uso dela.

Surgem então os segredos familiares, que consistem na paralisação da história e evolução da família, moldam as relações, claras ou encobertas, as divisões, as rupturas e definem os limites. São factos que toda a família conhece, mas que cada qual acredita que é o único, ou um dos únicos a sabe-lo, não sendo por isso nunca falados. Encobrem o significado e a consequência do comportamento disfuncional (beber) e distorcem a comunicação na família, bloqueiam as interacções dos seus membros e retiram a confiança.

É proibido saber e é proibido esquecer o segredo.

 

2 – Regra do Silêncio:

É uma causa e uma consequência, em que a nomeação das necessidades próprias, desejos, emoções e sensações está pouco presente.

A expressão verbal relativa ao que  cada um compreende e sente é muito limitada e a expressividade inibida. Existe o medo de falhar, de se enganar, não havendo palavras credíveis, e a dúvida instala-se.

As interacções são negativas e centradas na censura, o que favorece a vergonha e culpabilidade.

 

3 – Regra do Isolamento:

Os elementos familiares aprendem a não interagir uns com os outros (sejam da mesma geração ou entre gerações).

A crise, quando surge, pode ser salutar, servindo para pedir ajuda e manifestar alguma abertura recorrendo a intervenientes exteriores (vizinhos, autoridades, médico, psicólogo, urgência...).

 

4 – Regra da Rigidez:

Aqui surge simetria de comportamentos, ou seja, as relações são baseadas num comportamento similar (em espelho). O reforço de um comportamento de um elemento, reforça o comportamento semelhante do outro, e assim se minimizam as diferenças.

 

Surge também comportamentos de complementaridade, ou seja, a relação baseia-se na diferença; o comportamento de um ajusta-se ao comportamento do outro.

 

Ao nível relacional, o alcoólico caracteriza-se pela excessiva simetria. Os hábitos de beber pela rivalidade e pela semelhança – beber tanto quanto o outro, cada um paga uma rodada e mostrar ao outro que se é tão capaz quanto ele.

Assim, quanto mais o sistema repete que deve parar de beber, mais o alcoólico quer provar a sua força em resistir. Quanto mais o alcoolismo se agrava, mais a família tende a complementar, exercendo autoridade e protecção. 

A mudança na família pode surgir do co-alcoólico, que começa a ter em conta as suas necessidades, os seus desejos, deixando de estar orientado para as necessidades do alcoólico.

Podem surgir assim comportamentos de controlo dos consumos por parte do cônjuge, havendo quase como uma infantilização do alcoólico, que fica sem poder se decisão.

 

No alcoolismo a Intervenção Terapêutica centra-se, inicialmente, na criação de um sistema terapêutico.

Tem que ser feita uma análise da cultura familiar, padrões, estilos, costumes, segredos, mitos e problemas. Há então que compreender como se articulam os factores que bloqueiam a historia familiar e criar uma historia familiar onde o alcoolismo não constitua o ponto central de todas as relações familiares.

O terapeuta terá que demonstrar que equilíbrio familiar é possível e que a mudança não implica o caos.

Terapêutica introduz no sistema conteúdos relacionais com os seus próprios modelos, significados e sistemas de relação.

Há que haver cuidado especial na desintoxicação, que poderá levar à depressão, tanto no alcoólico como no cônjuge.

Por fim há que explorar a função do álcool nas problemáticas do casal e do individuo.

 

O processo tem em conta alguns condicionalismos, como:

a) Eventualidade de uma separação;

b) Autonomia dos filhos;

c) Dificuldade do casal na expressão de afectos e emoções;

d) Capacidade de viverem como um casal sem um terceiro elemento;

e) Medo do alcoólico ser engolido pela “família perfeita”.

 

 

Concluindo, é fundamental reconstruir as relações com os outros, com a família, com o terapeuta e resolver os assuntos inacabados (segredos). Promovem-se assim as narrativas com mais proactividade, que possibilitem conviver de forma mais gratificante, saudável e autónoma.

 

Baseado em:

Pires, U. (2009). A família com um membro adulto alcoólico. Mosaico, 43, 36-42.

publicado às 12:20


1 comentário

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De dalila a 11.09.2012 às 11:04

excelente forma de abrir este assunto. diria ate que pode ser aplicado a outras "doenças" cronicas. gostei muito de ler. obg

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