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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autora: Filipa Jardim Silva
Psicóloga Clínica
Quantas vezes demos por nós num enevoado de dias uns a seguir aos outros, em que se perde a noção do tempo, em que o corpo mexe-se por si mesmo, em que o paladar se fica pelos rótulos das embalagens? Muitas vezes o ritmo dos dias, a pressão dos “devos”, a intolerância dos “tenhos”, a insegurança dos “não consigo” faz-nos entrar numa espécie de piloto automático, em que nos enchemos de tudo que depressa fica em nada, quase como que se nos anestesiássemos e deambulássemos por semanas e meses entre compromissos, espaços e pessoas mas sem tempo para sentir. O tabaco é um escape, a comida é um substituto, o ansiolítico é uma pausa, o isolamento é um silêncio. Andamos com um pacote de críticas e desculpas no bolso para fácil acesso, uma tesoura numa mão a recortar o tempo em fragmentos e um lápis preto na outra a sublinhar o que não corre bem, o que está por fazer, o que foi mal feito, o que não temos.
E de repente, subitamente ou de forma algo prevista, paramos ou somos forçados a parar, sustemos o ar, olhamos para dentro de nós e à nossa volta e não sabemos bem onde estamos nem como aí chegámos. Predomina uma sensação de atordoamento a par de uma tentativa de encadear um conjunto de acontecimentos, à procura do sentido lógico que nos levou ali, das supostas razões tão justificativas de tudo, das perguntas encaixotadas e agora desembrulhadas, uma a seguir à outra, na expectativa de resposta. O ar brota como se tivéssemos estado a suster a respiração durante muito tempo, e agora inspirássemos pela primeira vez, profundamente.
E naquele instante sabemos que não será mais possível voltar a viver da mesma maneira. Sentimos a urgência de acordar o corpo e experienciar na pele tudo o que nos rodeia, encher cada palavra de sentido, escolher cada pessoa com intenção, degustar cada alimento à procura da descrição perfeita da mistura de sabores e texturas. Olhamos para o relógio e lembramo-nos do seu peso, sabemos que este tempo de lucidez pode ser curto se não nos mantivermos acordados e conscientes de que não queremos mais voltar a ser zombies nas nossas vidas. Acesso de lucidez, clarividência, insight… muitas serão as designações disponíveis para apelidarmos aquele momento em que o tempo se congela, o ruído se afasta, os outros se calam e ouvimo-nos, pura e simplesmente, ouvimo-nos.
Uma segunda oportunidade de quase renascermos. Depois de nos sentirmos não quereremos voltar a nos anestesiar, seja com o que for, de que forma for. Antecipamos a força da tentação do automatismo das acções, da repetição de palavras habituais e de padrões conhecidos. Mas se nos empenharmos em fomentar esta atitude de observadores de nós de forma plena e consciente, numa postura de aceitação e sem julgamento, conseguiremos nos sintonizar cada vez mais com o que realmente somos e não com o que achávamos que eramos, conseguiremos nos focar no que queremos de verdade e não no que já tínhamos decidido que era bom, conseguiremos nos permitir sentir quem é especial e não quem é indicado.
Agarrar a vida com as duas mãos às vezes pode implicar saltar rumo ao desconhecido, deixarmo-nos ir confiando em nós, sentindo a mudança de ventos em tempo real. No momento do embate inicial o corpo pode doer, a visão pode não devolver o que esperávamos, a mente pode acusar confusão mas o prazer de sentir o mundo com lucidez e agarrar com firmeza no leme das nossas vidas compensará. Salte!