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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autor: Francisco de Soure
Psicólogo Clínico
http://oficinadepsicologia.com
O Pedro sempre disse viver numa estação de comboios. Diante dele apresentava-se uma sucessão de linhas, cada uma percorrida por dezenas de comboios, cada um deles com destinos diferentes. Cada possibilidade aguardava um conjunto de resultados incertos. Será que o comboio das 10h para Tomar o conduziria à satisfação profissional? Será que o das 13h para o Porto lhe traria o amor da sua vida, a pessoa certa para o completar e acompanhar até à velhice? Será que o das 17h para Beja o levaria a aprender como manter os seus amigos?
Indeciso, o Pedro dava por si a correr de linha para linha, a estudar cada destino e cada comboio obsessivamente, assoberbado pelos riscos em que incorria a cada viagem possível. Dia após dia, o Pedro observava os comboios partir, alguns com carruagens, de semblante franzido pela ausência de passageiros, outros iluminados por fila após fila de lugares preenchidos. Perguntava-se a si mesmo o que faria com que todos entrassem sem hesitações para a carruagem, e se sentassem nos seus lugares como se da decisão mais leviana se tratasse. Como era possível que tantas pessoas diferentes – centenas! – embarcassem diariamente em viagens cujo resultado era tão obscuro, aparentando não ter qualquer reserva relativamente à enormidade de incerteza para que se projectavam.
E os que chegavam? Desses nem se falava! Vinham satisfeitos, alegres, e eram recebidos por abraços e beijos de quem deles tanta falta sentia! Sentado no banco à esquerda do quiosque de café, com uma chávena vazia entrelaçada nos dedos, o Pedro reflectia sobre a sua insatisfação, por contraste com a alegria dos outros passageiros.
Naturalmente devia estar insatisfeito, dizia o Pedro a si mesmo. Pois se estava numa estação de comboios era suposto viajar para algum lado! É esse o objectivo de estar numa estação de comboios. Ninguém com dois dedos de testa, com um mínimo de interesse, se contenta com ficar parado numa estação de comboios. Tanta vida para viver, e levar os dias entre o quiosque do café, a casa de banho pública e o gabinete do guarda nocturno que o deixava ver o último reality-show numa daquelas TVs portáteis, pequeninas. Ridículo! “Que ridículo e inútil sou eu!”, pensava para si.
Não tardou a que percebesse que esta enorme zanga consigo se devia a ver-se como incapaz de embarcar na viagem em que tantos pareciam embarcar, mesmo que com destinos diferentes: a do crescimento, da felicidade, da descoberta.
Era esta a vida do Pedro. Aos 33 anos, não era numa estação de comboios real que vivia, mas era assim que se sentia. A viver com os Pais nos subúrbios de Lisboa, a ocupar orgulhosamente um sótão do qual reclamava independência como uma espécie de basco de liceu, a sua vida pouco diferia da que vivia aos 16 anos. Desde que concluíra o 12º ano não conseguira definir que rumo dar à sua vida. Três licenciaturas tinham sido comboios nos quais chegara a embarcar, mas dos quais tinha saído ainda antes de partir. Depois disso, uma sucessão de empregos para os quais se sentia desmotivado, incompetente, ou bom demais.
Todos os seus amigos iam já várias estações à frente. Alguns tinham constituído família, outros emigrado, outros ainda empenhavam-se em construir carreiras. Com graus diferentes de sucesso, todos eles viajavam, e com regularidade. Sob uma capa de justificações que oferecia prontamente aos seus amigos e família quando o confrontavam com a sua situação ao passar pela estação, o Pedro via crescer em si um desânimo e desilusão consigo que se tornavam incontornáveis. Passava cada vez mais tempo a jogar videojogos, a surfar a internet, a dormir a meio do dia. Com cada dia que passava, sentia-se com menos energia, e menos capaz de fazer fosse o que fosse. Quando não se conseguia anestesiar com as suas distracções dava por si a chorar espontaneamente e a questionar o sentido de estar vivo.
Tornava-se evidente que o Pedro estava deprimido, e há muito tempo. Tudo começara com a pressão de ter uma vida de sucesso. Depois de acabar o secundário, todas as decisões que tinha que tomar por si mesmo representavam um risco demasiado elevado. Ponderava obsessivamente as implicações de cada uma, e para todas encontrava desfechos desagradáveis. O Pedro não o sabia ainda, mas sofria de Perturbação de Ansiedade Generalizada. Esta é uma perturbação de ansiedade que se caracteriza precisamente por um padrão de ruminação sobre a probabilidade de insucesso ou perigo a cada decisão. A imobilidade que produz resulta, diz a investigação, em perturbações depressivas para mais de 60% das pessoas que dela sofrem. É um sofrimento silencioso, que quem dele sofre não compreende, e que quem o rodeia rotula como cobardia ou preguiça.
O Pedro procurou ajuda, e a sua vida começa a ser diferente. A psicoterapia tem-no ajudado a gerir a sua ansiedade, e a perdoar-se pela sua inactividade, de forma a que possa seguir em frente. O treino de meditação tem permitido que viva cada momento como um momento, e a deixar que as consequências se desenrolem quando vierem. “Atravesso essa ponte quando lá chegar”, é a frase que repete a si mesmo nos momentos de maior incerteza.
Se nos lê, pode ser que se tenha visto a si nesta posição. Ou que se reveja em alguns dos sintomas depressivos que descrevemos. Se for esse o caso, não deixe de entrar neste comboio. Procure ajuda!