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A reacção ao stress

por oficinadepsicologia, em 15.01.10

 

Autora: Madalena Lobo

Psicóloga Clínica

1         Lutar ou fugir?

A reacção ao stress é natural, adaptativa, saudável e está-nos inscrita nos genes. Foi “desenhada” para nos manter vivos face a uma ameaça à nossa sobrevivência. A história conta-se assim: era uma vez um homem das cavernas. O nosso personagem sai, de manhã, da sua caverna escavada nas rochas, com a calma e sofisticação natural que lhe poderemos adivinhar, para tomar o seu pequeno-almoço e, eis senão quando, encontra um grande urso pardo. Está a imaginar o urso, gigantesco, olhos brilhantes, pequeno fio de saliva a escorrer ao olhar para o pequenito homem das cavernas? Atenção à banda sonora – convém que crie algum drama…. Numa fracção de segundos, sem que tenha que pensar sobre o assunto (aliás, o homem das cavernas não era conhecido pela sua grande capacidade de raciocínio mas, mesmo que fosse, tudo se passa ao nível do controlo involuntário), o coração dispara, o sangue corre acelerado, cria-se uma brutal tensão muscular, a visão fica mais focada, o suor começa a surgir… E tudo isto permite que o nosso herói (agora, herói, porque isto da ansiedade requer muita coragem…) se ponha rapidamente ao fresco (o que será estúpido, considerando que nenhum homem corre mais rápido do que um urso pardo…), ou que lute pela vida (o que será ainda mais estúpido, considerando as dimensões relativas de ambos…). Enfim, neste exemplo, será herói, mas comido… Prometo, para a próxima, pensar numa história com um final mais feliz, ainda que esta tenha um moral bonito: mais vale tentar, do que não fazer nada... Mas vamos imaginar que, na nossa história, o urso era coxo (direi, para ser politicamente correcta, que tinha uma deficiência física na ordem dos 30%). O nosso homem primitivo opta por correr desenfreadamente e, munido da vantagem de duas pernas funcionais a 100%, escapa ileso. Duas horas mais tarde, vamos encontrá-lo à sombra de uma azinheira (calma, não há ursos pardos no Alentejo; a azinheira foi uma liberdade musical), a descansar relaxadamente, cansado mas vitorioso.

 

Agora, substitua homem das cavernas por executivo, e urso pardo pelo chefe do executivo antes da avaliação de desempenho que determinará o bónus anual. Sim, eu sei, terá de fazer mais algumas pequenas adaptações à história, coisa de pouca monta. O nosso executivo pode encontrar o chefe ao almoço, enquanto debica umas pataniscas de bacalhau, e o chefe não saliva quando olha para ele (nem quando olha para as pataniscas, porque toda a gente sabe que chefe que é chefe não tem dessas mundanidades…). Limita-se a dizer-lhe, mal-humorado, que, a seguir ao almoço, está à espera dele para discutirem a avaliação de desempenho. Tal como no exemplo anterior, a reacção fisiológica do nosso executivo deixa-o preparado para lutar ou fugir – duas acções absolutamente idiotas face ao contexto, a não ser que o executivo queira perder o emprego, para além do bónus… Duas horas mais tarde, vamos encontrá-lo sentado à sua secretária, desesperadamente à procura de uns sais de frutos, na tentativa de aliviar a digestão que teima em não se fazer, dando-se conta de uma transpiração irritante que o deixou menos bem-cheiroso do que o habitual, tenso e frustrado, mesmo depois de ter tido uma das melhores avaliações da empresa. E, agora, pergunta o meu caro leitor: o que é que isto tem de natural, adaptativo e saudável, hem???

 

 

2         Reacção ao stress vista à lupa

Vamos definir ‘stress’, para efeitos deste contexto, como qualquer situação que origine consumo dos nossos recursos energéticos, na sequência de uma avaliação de ameaça física, intelectual, relacional ou emocional.

 

Definição feita, teremos que perceber que a reacção universal ao stress é uma reacção de sobrevivência: em fracções de segundos o sistema simpático (pertencente ao sistema nervoso autónomo) mobiliza-nos para reagirmos de uma de duas formas: lutar ou fugir. São, de facto, duas opções básicas e primitivas, mas a máquina humana foi criada numa época anterior à Internet (por muito que lhe custe a acreditar que existiu um tempo anterior à internet…). Os perigos que nos ameaçavam não exigiam reuniões de estratégia de alto nível, nem complexas análises matemáticas, e eram muito imediatistas: ou se agia rapidamente ou se era morto. Dispendida a energia que tinha sido mobilizada para combater ou evitar o perigo, o corpo passava para um estado gradual de repouso. É importante perceber que, quando se fala em gradual, é porque, contrariamente à acção do sistema simpático, que é o responsável por nos mobilizar face ao stress, o sistema parassimpático (responsável por nos colocar em situação de repouso/relaxamento) é lento. Mais uma vez, isto faz todo o sentido: se queremos sobreviver, é melhor que o façamos depressa; se queremos descansar, temos tempo para atingir o estado de repouso.

 

Vamos, então, ver como é que o nosso organismo está preparado para reagir, desde tempos imemoriais, sempre que fazemos uma leitura de perigo.

 

  1. As pupilas dilatam-se, para nos permitir ver com clareza, mesmo no escuro; aliás, os nossos sentidos, em geral, ficam mais apurados.

 

  1. O sistema cardiovascular dispara, com o coração a bombear até 22,5 litros de sangue por minuto, garantindo que temos irrigação suficiente no organismo para agir; as artérias contraem-se para aumentar a pressão no sistema e as veias dilatam-se para facilitar o regresso do sangue ao coração.

 

  1. O sistema respiratório coopera com o cardiovascular, dilatando pulmões, garganta e narinas para permitir uma maior quantidade de ar e possibilitar a re-oxigenação do sangue necessária uma vez que o sangue, ao transportar o oxigénio para os músculos, permite que estes funcionem com maior energia. Uma maior capacidade respiratória também nos permite gritar mais alto… Há que não descurar dos reforços!

 

  1. Inicia-se uma maior metabolização da gordura das células gordas e de glucose no fígado para produzir energia instantânea.

 

  1. As veias que canalizam sangue para o sistema digestivo e para os rins contraem-se para suspender sistemas que não são imediatamente necessários. As consequências disto são várias (e desagradáveis, na maior parte dos casos): a saliva reduz-se; o processo digestivo pára ou reduz-se muito; a bexiga e os intestinos preparam-se para se libertarem dos seus conteúdos (para nos deixar mais leves, não termos de consumir energia nesses processos de transformação, e… bem… para deixar um rasto de odor forte que distraia os potenciais perseguidores, segundo a teoria de alguns autores).

 

  1. As veias que se dirigem à pele são contraídas para prevenir perdas de sangue significativas em caso de ferida (daí a palidez habitual).

 

  1. Os poros abrem para que o suor possa inundar a pele, funcionando como um líquido de refrigeração de um sistema que se pressupõe sobreaquecido pelo esforço físico (daí a sensação pegajosa de mãos suadas, por exemplo)

 

  1. São libertadas endorfinas no organismo (que são os analgésicos naturais que o nosso organismo tem), para não sermos perturbados por dores que possam decorrer da luta ou da fuga e podermos estar concentrados a garantir a nossa sobrevivência.

 

  1. Finalmente, lembra-se que o nosso homem primitivo corria ou lutava, apesar de ser uma situação em que as probabilidades estavam contra ele? Pois; toda a parte de raciocínio superior vai dormir… É um tempo de acção, não de considerações filosóficas. Além disso, ficamos melhor preparados para seleccionar tudo o que possa ser negativo – digamos que é um problema de filtros: filtramos o que possa constituir uma ameaça e deixamos temporariamente de fora da nossa percepção os aspectos positivos, agradáveis e relaxantes (se está a fugir de um urso, não faz sentido estar a reparar nas cores da Primavera ou a ouvir o canto do rouxinol; mas é muito importante estar atento aos movimentos que possam indicar a chegada de outro predador).

 


3         Sistema Nervoso Autónomo

 

Os sistemas simpático e parassimpático funcionam em articulação, um pouco como dois braços da mesma balança; nenhum está totalmente inactivo em nenhum momento, mas quando um reage, o outro diminui a sua actividade. Por isso, é uma boa ideia activar o sistema parassimpático quando surge a sintomatologia característica de sobre-activação do sistema simpático. Isso pode ser feito com o que se chama “resposta de relaxamento” e que é obtida através de diversas actividades possíveis. De uma forma resumida e agregada, podemos sistematizar estas actividades da seguinte forma:

  1. Relaxamento somático
  2. Meditação (melhor dito: “mindfulness”)
  3. Visualização
  4. Hipnose ou auto-hipnose
  5. Exercício físico
  6. Prazeres e gratificações

 

Mas este é um outro tema… O que nos interessa agora, é o que constitui a resposta com que estamos geneticamente equipados para fazer face aos perigos.

 

4         Quando o perigo não está lá…

Resumindo: quando o nosso cérebro interpreta uma situação como perigosa para a nossa sobrevivência, põe em marcha todo um mecanismo de activação energética, que vamos denominar de mecanismo ansioso, e que nos permite maximizar as probabilidades de sobreviver. Nenhuma destas reacções fisiológicas é particularmente agradável, mas, também, não é esse o objectivo!

 

Onde a situação se complica, ou seja, quando começa a ser objecto de atenção psicoterapêutica, é quando acontece uma de duas coisas:

 

  1. Reagimos a algo que não é um perigo: Existe uma leitura errada da sintomatologia ansiosa, atribuindo-se a origem dos sintomas a um fenómeno físico que nos pode colocar em risco (normalmente, em risco de vida, de loucura ou de forte desaprovação social). Neste ponto, não podemos deixar de reparar na ironia da situação: a pessoa pensa que o mecanismo que se destina a garantir a sua sobrevivência é algo de inerentemente perigoso que pode ameaçar a sua sobrevivência! Irónico, sem dúvida, com uma pontinha de perversidade, mas é a leitura que está na origem da perturbação do pânico, por exemplo.

 

  1. Reagimos consistentemente em excesso: o gato bem pode ser um primo afastado do tigre e esse que está aí ao seu lado até ter um feitio pouco recomendável, dado às imprevisibilidades de quem se entretém a tentar afiar unhas na sua perna mas, convenhamos, não representa a mesma magnitude de perigo, verdade? E, no entanto, se tiver uma fobia a gatos, vai reagir a qualquer bichano ronronante como quem acabou de ver um tigre da Sibéria.

 

  1. Depois de reagirmos ao perigo, deixamos o alarme ligado: Em vez de um fenómeno pontual, reactivo e agudo de reacção ao stress (porque não é suposto passarmos os dias a encontrar ursos…), a activação do sistema nervoso autónomo passa a ser uma constante, não terminando quando devia, causando um estado de hiper-vigilância e alerta permanente, como é o caso, por exemplo, da perturbação da ansiedade generalizada.

 

 

Em qualquer das circunstâncias, lemos um perigo onde ele não existe, de facto, ou pelo menos é muito relativizado. Pode ter existido no nosso passado, mas já não ser válido nas circunstâncias presentes (como é o caso de situações de pós-stress traumático), pode ser uma reacção natural do nosso organismo e que interpretamos de uma forma desajustada (como é o caso da perturbação do pânico ou da perturbação obsessivo-compulsiva) ou ter origem no meio que nos rodeia, em que atribuímos a determinadas características um valor de perigo realisticamente inexistente (como é o caso da agorafobia). Mas, em qualquer situação ansiosa disfuncional estamos perante uma reacção que foi desenhada para ser adaptativa e com um elevado valor para a sobrevivência da espécie e do indivíduo e que, algures no tempo, se tornou rotina inadaptada às circunstâncias, gratuita, e prejudicial para o nosso bem-estar.

 

Uma das formas de repor a funcionalidade consiste no treino (que tem de ser consistente e sistemático), de nos situarmos numa leitura correcta do que se está a passar no nosso organismo. E, para isso, convém aprender técnicas específicas que, habitualmente, se ensinam em contexto de psicoterapia. Até lá, poderá recorrer a qualquer técnica que mobilize a resposta de relaxamento, com frequência, como quem aplica um travão sistemático a um organismo que insiste em acelerar.

 

publicado às 08:12

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