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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autora: Madalena Lobo
Psicóloga Clínica
A reacção ao stress é natural, adaptativa, saudável e está-nos inscrita nos genes. Foi “desenhada” para nos manter vivos face a uma ameaça à nossa sobrevivência. A história conta-se assim: era uma vez um homem das cavernas. O nosso personagem sai, de manhã, da sua caverna escavada nas rochas, com a calma e sofisticação natural que lhe poderemos adivinhar, para tomar o seu pequeno-almoço e, eis senão quando, encontra um grande urso pardo. Está a imaginar o urso, gigantesco, olhos brilhantes, pequeno fio de saliva a escorrer ao olhar para o pequenito homem das cavernas? Atenção à banda sonora – convém que crie algum drama…. Numa fracção de segundos, sem que tenha que pensar sobre o assunto (aliás, o homem das cavernas não era conhecido pela sua grande capacidade de raciocínio mas, mesmo que fosse, tudo se passa ao nível do controlo involuntário), o coração dispara, o sangue corre acelerado, cria-se uma brutal tensão muscular, a visão fica mais focada, o suor começa a surgir… E tudo isto permite que o nosso herói (agora, herói, porque isto da ansiedade requer muita coragem…) se ponha rapidamente ao fresco (o que será estúpido, considerando que nenhum homem corre mais rápido do que um urso pardo…), ou que lute pela vida (o que será ainda mais estúpido, considerando as dimensões relativas de ambos…). Enfim, neste exemplo, será herói, mas comido… Prometo, para a próxima, pensar numa história com um final mais feliz, ainda que esta tenha um moral bonito: mais vale tentar, do que não fazer nada... Mas vamos imaginar que, na nossa história, o urso era coxo (direi, para ser politicamente correcta, que tinha uma deficiência física na ordem dos 30%). O nosso homem primitivo opta por correr desenfreadamente e, munido da vantagem de duas pernas funcionais a 100%, escapa ileso. Duas horas mais tarde, vamos encontrá-lo à sombra de uma azinheira (calma, não há ursos pardos no Alentejo; a azinheira foi uma liberdade musical), a descansar relaxadamente, cansado mas vitorioso.
Agora, substitua homem das cavernas por executivo, e urso pardo pelo chefe do executivo antes da avaliação de desempenho que determinará o bónus anual. Sim, eu sei, terá de fazer mais algumas pequenas adaptações à história, coisa de pouca monta. O nosso executivo pode encontrar o chefe ao almoço, enquanto debica umas pataniscas de bacalhau, e o chefe não saliva quando olha para ele (nem quando olha para as pataniscas, porque toda a gente sabe que chefe que é chefe não tem dessas mundanidades…). Limita-se a dizer-lhe, mal-humorado, que, a seguir ao almoço, está à espera dele para discutirem a avaliação de desempenho. Tal como no exemplo anterior, a reacção fisiológica do nosso executivo deixa-o preparado para lutar ou fugir – duas acções absolutamente idiotas face ao contexto, a não ser que o executivo queira perder o emprego, para além do bónus… Duas horas mais tarde, vamos encontrá-lo sentado à sua secretária, desesperadamente à procura de uns sais de frutos, na tentativa de aliviar a digestão que teima em não se fazer, dando-se conta de uma transpiração irritante que o deixou menos bem-cheiroso do que o habitual, tenso e frustrado, mesmo depois de ter tido uma das melhores avaliações da empresa. E, agora, pergunta o meu caro leitor: o que é que isto tem de natural, adaptativo e saudável, hem???
Vamos definir ‘stress’, para efeitos deste contexto, como qualquer situação que origine consumo dos nossos recursos energéticos, na sequência de uma avaliação de ameaça física, intelectual, relacional ou emocional.
Definição feita, teremos que perceber que a reacção universal ao stress é uma reacção de sobrevivência: em fracções de segundos o sistema simpático (pertencente ao sistema nervoso autónomo) mobiliza-nos para reagirmos de uma de duas formas: lutar ou fugir. São, de facto, duas opções básicas e primitivas, mas a máquina humana foi criada numa época anterior à Internet (por muito que lhe custe a acreditar que existiu um tempo anterior à internet…). Os perigos que nos ameaçavam não exigiam reuniões de estratégia de alto nível, nem complexas análises matemáticas, e eram muito imediatistas: ou se agia rapidamente ou se era morto. Dispendida a energia que tinha sido mobilizada para combater ou evitar o perigo, o corpo passava para um estado gradual de repouso. É importante perceber que, quando se fala em gradual, é porque, contrariamente à acção do sistema simpático, que é o responsável por nos mobilizar face ao stress, o sistema parassimpático (responsável por nos colocar em situação de repouso/relaxamento) é lento. Mais uma vez, isto faz todo o sentido: se queremos sobreviver, é melhor que o façamos depressa; se queremos descansar, temos tempo para atingir o estado de repouso.
Vamos, então, ver como é que o nosso organismo está preparado para reagir, desde tempos imemoriais, sempre que fazemos uma leitura de perigo.
Os sistemas simpático e parassimpático funcionam em articulação, um pouco como dois braços da mesma balança; nenhum está totalmente inactivo em nenhum momento, mas quando um reage, o outro diminui a sua actividade. Por isso, é uma boa ideia activar o sistema parassimpático quando surge a sintomatologia característica de sobre-activação do sistema simpático. Isso pode ser feito com o que se chama “resposta de relaxamento” e que é obtida através de diversas actividades possíveis. De uma forma resumida e agregada, podemos sistematizar estas actividades da seguinte forma:
Mas este é um outro tema… O que nos interessa agora, é o que constitui a resposta com que estamos geneticamente equipados para fazer face aos perigos.
Resumindo: quando o nosso cérebro interpreta uma situação como perigosa para a nossa sobrevivência, põe em marcha todo um mecanismo de activação energética, que vamos denominar de mecanismo ansioso, e que nos permite maximizar as probabilidades de sobreviver. Nenhuma destas reacções fisiológicas é particularmente agradável, mas, também, não é esse o objectivo!
Onde a situação se complica, ou seja, quando começa a ser objecto de atenção psicoterapêutica, é quando acontece uma de duas coisas:
Em qualquer das circunstâncias, lemos um perigo onde ele não existe, de facto, ou pelo menos é muito relativizado. Pode ter existido no nosso passado, mas já não ser válido nas circunstâncias presentes (como é o caso de situações de pós-stress traumático), pode ser uma reacção natural do nosso organismo e que interpretamos de uma forma desajustada (como é o caso da perturbação do pânico ou da perturbação obsessivo-compulsiva) ou ter origem no meio que nos rodeia, em que atribuímos a determinadas características um valor de perigo realisticamente inexistente (como é o caso da agorafobia). Mas, em qualquer situação ansiosa disfuncional estamos perante uma reacção que foi desenhada para ser adaptativa e com um elevado valor para a sobrevivência da espécie e do indivíduo e que, algures no tempo, se tornou rotina inadaptada às circunstâncias, gratuita, e prejudicial para o nosso bem-estar.
Uma das formas de repor a funcionalidade consiste no treino (que tem de ser consistente e sistemático), de nos situarmos numa leitura correcta do que se está a passar no nosso organismo. E, para isso, convém aprender técnicas específicas que, habitualmente, se ensinam em contexto de psicoterapia. Até lá, poderá recorrer a qualquer técnica que mobilize a resposta de relaxamento, com frequência, como quem aplica um travão sistemático a um organismo que insiste em acelerar.