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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autora: Tânia da Cunha
Psicóloga Clínica
Os medos são considerados patológicos quando começam a dominar todo o quotidiano, tornando-se difíceis de controlar. Neste sentido surge a necessidade de distinguir entre um medo generalizado, dificilmente compreensível, e um medo concreto que aparece perante uma situação ou um determinado objeto.
O medo enquanto emoção adaptativa e necessária tem a função de nos proteger de “disparates” que poderiam ter más consequências. Se esta emoção não for adequadamente experimentada, a pessoa não consegue cuidar de si mesma e estaria exposta aos perigos de forma continuada.
Nem sempre é fácil determinar a verdadeira origem do medo. Muitas vezes trata-se de um medo difuso, ou flutuante, que domina tudo e controla completamente o nosso estado de espírito. O que acontece com frequência é que de pouco ou nada serve sabermos que esse medo não tem razão de ser, pois a sensação inexplicável permanece. Outras vezes existe um motivo concreto, ao qual, em condições de saúde normais, não atribuíamos grande importância. Frequentemente, basta apenas uma ideia preocupante, como por exemplo pensarmos que pode acontecer algo de negativo a um ente querido.
Numa situação de Pânico, todo o corpo reage. A inquietação interior e o medo podem dar origem a crises de pânico. Estes podem manifestar-se sob a forma de uma ou mais crises diferentes e completamente inesperadas. Isto significa que podem surgir independentemente de uma situação determinada. Tais crises de pânico são muitas veze vividas como um medo de morte, trazendo consigo diversos sintomas físicos:
O ponto crucial no tratamento da Perturbação de Pânico reside em não errar o diagnóstico. Quem sofre de pânico encontra-se muitas vezes preocupado com o facto de os sintomas somáticos poderem ser manifesto de doença física grave (por exemplo ataque de coração). No entanto, sublinha-se que existe uma grande variedade de tratamentos disponíveis:
Autora: Fabiana Andrade
Psicóloga Clínica
Olá a todos!
Espero que tenham lido e gostado dos primeiros episódios dos Contos Terapêuticos.
Para quem não sabe o que são os Contos Terapêuticos, fica aqui a breve explicação desse projeto: são um apanhado de várias temáticas que surgem diariamente nos consultórios da Oficina de Psicologia. Para falar dessas temáticas, criei personagens que representam muitas pessoas com quem trabalhei ao longo dos anos. Dessa forma, espero que o leitor se possa identificar com um ou mais personagens, e assim, beneficiar das estratégias utilizadas por eles.
Boa leitura!
Maria – E quando o filho não é meu?
Maria tem 35 anos, e aos 30 tornou-se uma madrasta. Nunca pensou em estar casada com alguém que já tivesse filhos, e por isso mesmo, nunca deu muita importância ao assunto.
Já tinha tido amigos e amigas em situações semelhantes. Uns com boas experiências e outros nem por isso, e sempre disse, que se pudesse escolher, gostaria de estar com alguém que não tivesse filhos.
Conheceu Paulo e como que numa brincadeira do destino, apaixonou-se. E logo por um homem que tinha um filho de 7 anos!
Maria, que nunca tinha tido um convívio próximo com crianças, não sabia como agir.
Enquanto namorou Paulo manteve uma relação relativamente distante com João, seu filho. Faziam programas a três, mas para Maria, o convívio só com Paulo era de facto mais gratificante.
Sem perceber, começou a sentir alguma tensão, cada vez que João estava presente e essa tensão era traduzida em rigidez física, sentia-se extremamente cansada depois destes programas. Sentia-se ainda impaciente e irritada. Nunca tratou mal o João nem partilhou esse desconforto com Paulo.
Maria e Paulo decidiram casar após um ano de namoro, sem que o assunto “João” fosse abordado.
Após o casamento, o João passou para um regime partilhado entre Paulo e a mãe. Passou a estar 15 dias na casa do pai e de Maria, e 15 dias em casa da mãe.
Essa mudança mudou a vida de Maria e de Paulo, e é nesse momento que decide procurar ajuda.
Maria faz as seguintes observações:
- Sinto-me constantemente tensa e cansada nos 15 dias que temos o João
- Gosto muito do miúdo e sinto-me culpada por não querer a sua presença
- Sinto que minha casa é invadida e o meu espaço perturbado
- Não posso falar nada disso ao Paulo pois ele ficaria extremamente zangado e magoado
- Não sei qual deverá ser o meu papel na vida do João. Por vezes parece que devo intervir, noutras, a minha intervenção é mal recebida pelo Paulo que me diz “eu é que sou o pai dele”, deixando-me extremamente magoada
Nestas observações, estão resumidas muitas das queixas que ouço no consultório, por parte de padrastos e madrastas.
Parece existir uma sensação de viver num “limbo”. Um cliente meu dizia outro dia, “não sou pai nem mãe, mas também não sou um desconhecido, por vezes sinto-me necessário e noutras sou descartado”.
Também é frequente surgir a sensação de culpa, por estarmos a falar de algo “sagrado”, uma criança, o filho da pessoa que amo.
Essa culpa não permite uma comunicação fluída e honesta com o parceiro, gerando medos e tensões que se refletem de seguida na relação do casal e na relação com as próprias crianças.
Existem casos extremos em que os conflitos atingem proporções tão graves, que a relação chega a terminar por incapacidade dos dois adultos falarem livre e honestamente sobre o assunto, encontrando um terreno comum.
Outro tema referido por madrastas e padrastos, é a sensação de invasão de espaço e de “estou a levar com uma situação que não é minha, e não escolhi”.
É importante lembrar que a escolha de estar com alguém, não é uma escolha apenas daquilo que gostamos nesta pessoa. A relação é a aceitação de um todo, que é o outro. E essa escolha deve ser consciente e pacífica. Quanto mais eu for responsável pela minha escolha, mais me tranquilizo com os prós e contras da mesma.
De todas as histórias que fui recolhendo, inspirando-me na Maria, acabei por criar algumas dicas gerais para transformar madrastas em “boasdrastas” (sem esquecermos dos padrastos!).
Depois de utilizar todas essas dicas, Maria tem hoje uma relação extremamente gratificante com o João, sendo uma adulta de referência na vida do rapaz. Encontrou também em Paulo o parceiro ideal para essa experiência, ajudando-o a ser melhor pai, e ele, ajudando-a a ser uma “otimadrasta”, como João a chama.
Hoje já têm um filho em conjunto, e sentem-se bastante realizados com essa família moderna.
DICAS:
- defina com o/a parceiro/a quais são as expectativas e limites do papel de madrasta/padrasto
- conheça a criança com uma atitude aberta e curiosa. Está perante uma pessoa única que também está a viver uma situação potencialmente perturbadora. Faça perguntas e procure conhecer como é a sua experiência
- estabeleça um diálogo constante consigo mesmo, observando os seus pensamentos, o seu corpo e as suas emoções, dentro da sua experiência enquanto madrasta/padrasto
- livre-se de culpa e passe a aceitar as suas zonas de conforto e de desconforto. É preciso encontrar um local onde as suas necessidades, as da criança e as do seu/sua parceiro/a, sejam respeitadas
- fale abertamente com o seu companheiro sobre o assunto, utilizando linguagem clara, focando nos seus próprios sentimentos e numa solução comum
- converse abertamente e frequentemente com o/a parceiro/a numa lógica de partilha de informação sobre os diferentes papéis, o ser pai ou mãe e o ser madrasta ou padrasto. Cada um pode ter muito para dizer sobre o seu próprio papel, e essa conversa permite que cada um se possa colocar mais facilmente na pele do outro
A experiência de ser padrasto ou madrasta, somos nós que criamos. Ela pode ser a pior situação da sua vida, com potencial para acabar com a sua relação, como pode ser a experiência mais gratificante e enriquecedora de sempre.
Se precisar de nós, estamos aqui para o ajudar a viver a situação de forma plena e feliz!
Autor: Francisco de Soure
Psicólogo Clínico
Se formos à rua de papel e caneta na mão e perguntarmos a cada transeunte com o qual nos cruzemos qual a emoção que mais o perturba ou lhe é mais desagradável, quase seguramente a culpa figurará entre as respostas mais frequentes. A combinação de vergonha, zanga connosco próprios, medo de sermos castigados e desilusão que sentimos é um cocktail poderosíssimo que, invariavelmente, deixa um amargo sabor na boca.
Na verdade, sentir culpa é como sentir uma onda de reprovação de nós próprios, que vai muito além do reconhecimento de que somos responsáveis por um desfecho desagradável. Quando nos responsabilizamos, aceitamos que o nosso comportamento precisa de ser melhorado, e reorientamo-nos de forma a ir de encontro a essa melhoria.
A culpa assume a forma de um conjunto de afirmações gerais a respeito de nós mesmos – “és sempre a mesma coisa”; “vai ser tudo horrível, e a culpa é toda tua”; “és inaceitável” – que acaba por ser muito pouco específico e orientado para comportamentos concretos, resultando apenas num mal estar que não convida a crescimento. Curiosamente, a maioria de nós diria, intuitivamente, que a culpa serve precisamente para prevenir mau comportamento futuro.
Na verdade, a experiência vai demonstrando algo diferente. A culpa está para a aprendizagem como o pânico está para uma resposta imediata de fuga: são respostas tão exageradas que perdem por inteiro a sua eficácia.
Se é verdade que o medo despoleta um conjunto de reacções no nosso corpo que podem assegurar as condições motoras para escapar a uma situação de risco, o pânico tende a paralisar ou gerar descontrolo. Da mesma forma, se a responsabilização conduz a uma atitude proactiva de mudança, a culpa tende a gerar tanta aversão à ideia de voltar a sentir o que sentimos que procuramos a todo o custo o confronto com a situação.
Assim, quando voltarmos a deparar-nos com essa mesma situação, as respostas que teremos serão as que já tínhamos… e resultaram em consequências que nos deixaram a sentir culpados! Pesado, não é?
Já no berço da Psicologia como a conhecemos, Sigmund Freud apontava o excesso de culpabilidade como um dos principais contribuintes para o aparecimento de sintomas depressivos. E, na maioria das pessoas deprimidas, a culpa parece ser um dos mais evidentes factores depressogéneos. De tal forma que o DSM-IV-TR, um dos principais manuais de diagnóstico psiquiátrico, elenca a percepção excessiva de culpabilidade como um dos sinais a considerar ao fazer o diagnóstico.
Se, no plano teórico e da observação clínica, associar a presença de culpa ao aparecimento de depressão fazia sentido, um estudo recente da Universidade de Manchester veio dar tremenda força a estas ideias.
A equipa de investigação de Roland Zahn conseguiu, através de técnicas avançadas de ressonância magnética, demonstrar diferenças significativas entre o padrão de activação cerebral de pessoas deprimidas e não deprimidas. Quando era pedido aos participantes do estudo que pensassem em comportamentos socialmente reprováveis, as diferenças eram notórias. Os participantes com um historial de depressão mostravam uma activação incongruente da região temporal anterior do cérebro – onde está armazenada a informação sobre comportamento socialmente aceitável – e da região subgenual do cérebro – a região caracteristicamente associada a sentimentos de culpa.
Esta alteração contribuirá para que se sintam culpadas de forma excessiva, contribuindo drasticamente para os sintomas.
Deixamos-lhe a questão: dá por si regularmente a sentir-se culpado/a? É frequente ouvir as pessoas dizer-lhe que é duro demais consigo?
Autora: Catarina Mexia
Psicóloga Clínica
http://www.oficinadepsicologia.com
Todos nós procuramos no nosso parceiro qualidades semelhantes às nossas, alguém que tenha interesses comuns e partilhe necessidades idênticas de independência, intimidade e poder. Uma vez feita essa escolha, iniciamos o namoro, um processo mais ou menos longo com características próprias - que tem como finalidade a construção de uma terceira identidade na relação resultante da passagem do "eu" para o "nós".
Na fase inicial do namoro idealizamos planos, partilhamos sonhos e fazemos um esforço para ignorar as divergências e os aspectos menos positivos da pessoa que começamos a amar. E muitas vezes acalentamos a ideia de que, depois do casamento, a convivência e o amor irão transformar os aspectos menos positivos do outro.
Neste processo de transição do "eu" para o "nós" começamos também a aprender a delimitar fronteiras relativamente aos familiares e amigos, de tal forma que a construção da nova intimidade enquanto casal seja uma prioridade. Se o namoro corre bem, acabamos por nos decidir pelo casamento, ou seja, aceitamos que somos capazes de partilhar vinte e quatro horas do dia e comprometemo-nos a construir um casal, algo diferente da soma de duas pessoas.
Na vida de casal, como noutras coisas da nossa vida, podemos caracterizar períodos específicos que ocorrem com um certa periodicidade. Geralmente, os primeiros anos são aqueles em que o projeto que iniciámos com o namoro ainda nos faz muito sentido e, por isso, aceitamos bem a proximidade do outro, procurando partilhar tudo. No entanto, a nível individual trata-se de um período de conflitos e incertezas perante aquilo que julgamos ser a perda de alguma liberdade e o confronto com a necessidade de desviarmos os nossos interesses pessoais para outras áreas.
O nascimento do primeiro filho é um dos momentos de maior alegria, mas também de maior stress e tensão no casal. O aparecimento de um terceiro elemento tem consequências que podem abalar os alicerces de uma relação que ainda agora começou a ser desenvolvida.
Esta alteração obriga à redefinição de papéis. Deixamos de ser apenas marido e mulher para passarmos a ser pais.
A disponibilidade para nos conhecermos tem agora que ser partilhada com mais um elemento. Nesta fase gera-se igualmente um convite à reintrodução das famílias de origem e dos amigos que querem partilhar esta alegria, mas que simultaneamente são uma ameaça às fronteiras estabelecidas pelo e para o casal.
Ultrapassada esta fase, a vida de casal continua até os filhos ganharem autonomia face aos pais, fazendo antever a possibilidade de se encontrarem os dois novamente a sós. E este é outro momento de instabilidade. Se fomos capazes de alimentar a relação de casal para além das necessidades de criar os filhos, se fomos capazes de manter interesses comuns enquanto casal, então seremos capazes de reorganizar relacionamentos, regras de funcionamento e sentir o outro como o companheiro de sempre e não um estranho.
Alguns casais, no entanto, decidem interromper este processo, separando-se, para voltarem posteriormente a casar com o mesmo companheiro. Pode parecer estranho, mas, na verdade, muitos casais que querem experimentar coisas na vida juntos não o conseguem.
Há algum tempo conheci um casal que após um namoro de dois anos decidiu casar. Mantiveram-se casados durante três anos, ao fim dos quais se divorciaram. Nunca perderam o contacto, mas foram conhecendo e namorando outras pessoas. Ao fim de quatro anos decidiram voltar a casar e estão juntos há sete, têm dois filhos e um terceiro a caminho.
Para este casal, o casamento inicial não lhes permitiu gozar a sensação de autonomia que a capacidade financeira, a emancipação dos pais e a possibilidade de desenvolvimento de um projeto profissional possibilita. O casamento tornou-se numa coisa desinteressante, pautado por algumas discussões e convívio difícil. Com a separação, um e outro foram capazes de descobrir novos recursos dentro de si mesmos, coragem para desenvolver capacidades individuais e o prazer de gozar o sossego de um espaço que não tem que ser partilhado, uma solidão desejada que alterna com a vontade de sair com novas pessoas.
Durante este período de afastamento, cada um aprendeu a viver sem o outro, a construir projetos individuais, a sair de um relacionamento em que a fusão era tão intensa que não se sabia onde começava um e acabava o outro. Mas, com o tempo, as mágoas e ressentimentos foram-se suavizando e a comparação com os outros que foram conhecendo mostrou-lhes que a escolha inicial afinal tinha muitas qualidades.
Assim, alguns casais que pensavam ter esgotado as possibilidades começam a repensar a relação e a encarar a possibilidade de voltarem a sair juntos. Por vezes a paixão regressa e o medo de sofrer faz com que a reconciliação seja precedida de um cauteloso namoro em que aceitam sair juntos, renovar a sexualidade e, acima de tudo, conversar escutando o outro.
Não se trata de um conto de fadas.
A hesitação, o medo de repetir um erro e de ser novamente abandonado são reais. Mas a valorização das qualidades daqueles com quem partilhámos alguns anos e o sentimento de amor levam-nos a ultrapassar estes medos e a investir novamente no nosso companheiro, ainda que de forma diferente, aprendendo com o passado.
Autor: Pedro Diniz Rodrigues
Psicólogo Clínico
Para muitos de nós, existem momentos na vida em que a possibilidade de convivência com o sofrimento não é uma tarefa que seja possível de ser considerada.
Nestas alturas, a ferida interna é demasiado grande para que consigamos encará-la diretamente. Por muito que nos esforcemos para a ignorar, ela parece arranjar formas alternativas de nos dizer que está presente, continuando indefinidamente a condicionar a qualidade da nossa experiência de vida.
Damos por nós a cair no paradoxo de nos protegermos deste desconforto interno, adoptando estratégias que embora nos dêem um alívio imediato, têm o efeito secundário de assegurar a manutenção desse desconforto.
O trabalho psicoterapêutico (individual ou de grupo), permite estar numa atmosfera emocionalmente protegida, que nos ajuda a sentir segurança suficiente, para que possamos encarar com menor receio a causa da nossa dor, observando com maior clareza os seus contornos e podendo assim compreender melhor a forma como nos está a condicionar.
É difícil lidar com o que vemos. A falta de sentido que aqui emerge e que assenta na ambivalência e nas contradições entre os nossos pensamentos, emoções e sentimentos, coloca em causa a nossa identidade e abala a nossa auto-estima.
Os nossos valores que sempre nos asseguraram o desejado sentido de identidade e que nos disseram como viver, dizem-nos também para ignorar esta outra parte de nós que agora se manifesta de forma dolorosamente evidente e que nos dá a entender que não estamos a seguir pelo melhor caminho.
Entramos numa fase de convivência indesejada, mas aparentemente necessária com esta ferida simbólica, o que acaba por nos dar acesso ao motivo associado com o seu aparecimento, dando aso a que, posteriormente, lhe possa ser dado um significado.
Ou seja, a fonte da nossa depressão, fobia, culpa, ou vazio existencial, passa a ter agora uma explicação que, dentro de nós, sabemos que faz sentido. Torna-se importante aqui, perceber o que impede a natural expressão desta voz menos conhecida, que até aqui reivindicava a sua existência sem percebermos porquê.
Entramos numa fase de responsabilização de nós mesmos pela manutenção do nosso sofrimento, a qual ocorre à medida que vamos ganhando consciência do que estamos a fazer para manter situação dolorosa e do motivo pelo qual ainda precisamos fazê-lo.
Simplificando, a lacuna entre a causa do sofrimento e o seu produto final, que se traduzia na dor emocional que sentíamos, desaparece progressivamente, passando a ser mais claro para nós o que estava a manter o sintoma de desconforto.
Este é um momento emocionalmente significativo, uma vez que é conquistada a liberdade de escolha, que permite abandonar a pouco e pouco os nossos velhos padrões desadaptativos. Aplicando esta lógica às várias fontes de dor subjectiva que possamos sentir, pretende-se que ao longo da nossa vida, nos permitamos a ter contacto com uma variedade de experiências negativas que até aqui evitávamos, estando mais permeáveis à sua influência, mas também mais resistentes ao seu potencial impacto negativo. Aceitamo-las melhor, olhando-as agora enquanto algo que tem um significado e uma função importante no sentido de nos manterem psicologicamente saudáveis.
Autora: Fabiana Andrade
Psicóloga Clínica
Hoje uma amiga que conduzia o carro em que estávamos recebeu uma mensagem, imediatamente pegou no telefone para ver quem era e, de seguida, responder.
Fiquei zangada e depois de lhe pedir que não o fizesse, pus-me a pensar no assunto.
Muito tem sido escrito sobre os malefícios de escrever ou ler mensagens no telemóvel enquanto se conduz.
De facto, esse é um comportamento de risco e já é sabido que seus resultados são catastróficos. Causa mortes, lesões para a vida, famílias desfeitas e por aí em diante.
Também já é sabido que existem muitas campanhas de sensibilização para evitar este tipo de comportamento. Famílias que perderam pessoas dessa forma mostram as consequências, pessoas que ficaram lesionadas para sempre fazem campanhas para sensibilizar outros a não repetirem o comportamento, celebridades criam movimentos com o objetivo de sensibilizar a população para a questão. A verdade é que o comportamento continua!
Muitas vezes nós, humanos, somos perfeitamente capazes de observar uma situação, de ficarmos tocados por ela, de termos receio, de pensar “se fosse comigo nem sei o que faria”, mas como na verdade “não é comigo”, não tomamos nenhuma atitude.
Então, o que fazer para ajudar as pessoas a mudarem a sua atitude, sem terem tido de passar por esta situação?
E quando se trata de adolescentes, que à partida têm menos noção de consequências?
Depois de ver muitas campanhas sem resultado, de ouvir relatos da GNR a falar sobre o número de acidentes causados por este comportamento, lembrei-me do Mindfulness.
E porquê?
Observando o comportamento de várias pessoas que falam ao telefone ou enviam mensagens a conduzir, observei também um padrão comum. A ansiedade!
Perante o som do telefone sinalizando a entrada de uma mensagem, parece surgir em nós, uma urgência de responder. Parece que estamos condicionados a ter de reagir no segundo em que somos solicitados.
Nestas situações ficamos “reféns” da situação. Perdemos o poder, perdemos o controlo sobre o nosso comportamento e a nossa vontade.
O Mindfulness permite o reaver desse controle, pois permite uma distância entre a situação e o Eu. Através da auto-observação, ganho mais consciência de mim e do impacto que as situações têm em mim.
Cada vez mais utilizo o Mindfulness para trabalhar a ansiedade e vejo ótimos resultados. A pessoa passa a estar mais centrada no aqui e agora, menos refém das situações, sente menos urgências.
E como fazer isso?
Em primeiro lugar respirando!
Por exemplo, se eu estiver a conduzir e ouvir o barulho do telefone, em vez de ir buscar imediatamente o telefone com a mão, ou desviar o olhar, posso respirar. À medida que ouço o barulho do telefone, deixo-o tocar e respiro.
Esse simples acto de respirar, permite-me distanciar-me da situação. Vou relaxando o meu corpo à medida que o telefone toca e aí posso perguntar-me: seja quem for, vale a pena colocar a minha vida em risco para atender?
Nesse momento, seja qual for a minha opção, de responder ou não, de atender ou não, já estarei plenamente consciente e responsabilizado. Saberei que se atender, estarei a colocar a minha vida e a de outras pessoas em risco.
Respirar é a ferramenta chave para quem quer criar alguma distancia entre si e as situações.
Permite-me parar. Ao parar, posso observar a mim mesma e perguntar: o que eu quero?
O parar e o observar-me, faz com que eu esteja no controle de mim, das minhas opções em cada situação. Sou mais livre, porque não fico refém de solicitações, prazos, urgências.
Todos os dias, somos inundados com urgências constantes, pessoas que querem falar connosco, que querem respostas aos seus SMS, prazos no trabalho, e, ao não respirarmos, essas urgências passam a ditar o nosso ritmo, pondo em risco a nossa saúde e mesmo, a nossa vida.
Já respirou hoje? Já se perguntou o que quer?
Autor: António Norton
Psicólogo Clínico
Gostaria de falar sobre as consequências psicológicas de uma típica situação de casal em que um dos elementos resolve surpreender o outro elemento e algo corre mal...
Para tornar mais simples a minha reflexão, vou usar os nomes fictícios de João e Maria. Agora, vamos criar uma situação exemplificativa, sobre a qual vos convido a reflectir.
Vamos imaginar que o João tem imensa vontade de fazer uma primeira surpresa à Maria.
Durante a semana tira sempre uma hora do dia para pensar em todos os pormenores relacionados com o momento tão aguardado.
Neste caso, João pensou preparar um jantar romântico. Pensou na receita, procurou juntar os ingredientes que sabe que Maria adora, procurou algumas receitas, até viu e gravou programas de televisão sobre culinária para conseguir a melhor receita.
Encheu-se de expectativas. À noite, pensava várias vezes na reacção de Maria e estava super entusiasmado com a sua ideia!
Finalmente chegou o dia de surpreender Maria. Saiu mais cedo e preparou o jantar-surpresa com mil cuidados.
Não estavam, propriamente, a comemorar nada de especial. Tratava-se, simplesmente, de um gesto de amor de João para com Maria.
Maria ficou claramente surpreendida e achou algo estranho naquele comportamento de João. Pensou que deveria haver mais alguma coisa “na manga” e instalou-se uma emoção onde pautava alguma desconfiança e até algum desconforto.
Aquele momento tão aguardado ficou estranho... João sentiu isso e ficou profundamente ofendido, embora não lhe tenha dito nada directamente. Na verdade, ninguém disse abertamente o que se passava naquele estranho jantar. Por outro lado, a comida estava bastante insonsa e Maria pediu para pôr mais sal. Resolveu, também, ir buscar alguns molhos porque a carne estava seca. João engoliu em seco e ainda ficou mais magoado.
A verdade é que após este singular jantar a relação não voltou a ser a mesma...
Está na altura de abrir um pequeno parêntesis: este exemplo é fictício, mas acredito que poderá ocorrer com muitos casais. Mude a temática do jantar, mude alguns pormenores, mas o essencial poderá acontecer, claramente, com muitos casais.
Estamos a falar de uma situação em que um dos elementos do casal alimenta determinado nível de expectativas e desilude-se com o resultado.
O que acontece na dinâmica de um casal quando as expectativas criadas são desiludidas?
Eu dou o exemplo da preparação de uma surpresa, uma vez que é uma situação em que, necessariamente, se criam expectativas sobre a reacção do outro elemento.
Voltemos ao João e à Maria.
Parecia, pois, impossível que a sua relação passasse a ser tão estranha. Sempre se tinham dado tão bem... A dinâmica da sua relação funcionava tão bem!
O que é que aconteceu?
Vamos, então, tentar compreender este quadro de conflito.
Cada pessoa é um mundo. Traz toda a sua educação e todas as aprendizagens que fez ao longo da vida. Umas mais enraizadas, outras não tanto, mas todas fazem parte da sua identidade.
Ao longo da sua infância, cada pessoa aprendeu, de acordo com a forma como se relacionou, uma maneira de se envolver emocionalmente com as situações. Ou seja, voltando ao nosso exemplo fictício, O João e a Maria aprenderam a ter determinadas reacções emocionais perante situações em que são surpreendidos e trazem essas aprendizagens com eles. Em momentos de surpresa é como se entrassem em piloto automático e corressem o “script” emocional que trazem.
Cada elemento de um casal deverá ter sempre em linha de conta que, antes de ter conhecido o outro elemento, já trazia um passado e uma forma de viver, emocionalmente, cada situação.
Nunca devemos esquecer a regra de ouro de uma relação amorosa: existe o Eu, o Tu e o Nós.
Voltando ao nosso exemplo, João ficou muito magoado mas, reconhecendo alguma responsabilidade no facto da carne estar insonsa, ainda tentou fazer uma ou outra surpresa a Maria. Por sua vez, Maria, ao não querer desiludir ainda mais o João sentiu-se forçada a gostar das surpresas seguintes. Tudo passou a ser forçado e artificial. Gerou-se uma dinâmica condicionada de expectativa e de necessidade, de reciprocidade forçada em que o João procurava agradar Maria e esta, mesmo que não gostasse, dizia que gostava com um sorriso amarelo.
Não havia, verdadeiramente, frontalidade e autenticidade. Havia sim algo forçado...
João, a pouco e pouco começou a perder o interesse em fazer surpresas e, lentamente, perdeu a vontade de investir na relação.
Por seu lado, Maria começou a sentir-se na obrigação de fazer supresas a João que ficou, por sua vez, surpreendido com a atitude de Maria. E desta vez o sorriso amarelo vinha da sua parte.
O assunto “surpresas” passou a ser um terreno pantanoso, de areias movediças, um tema delicado entre o casal....
O que é que correu mal?
Inicialmente o João teve a melhor das intenções ao querer fazer uma surpresa a Maria, mas não contou com a reacção de desconfiança dela. João, efectivamente, não sabia e continuou a não saber que durante toda a infância Maria recebeu várias surpresas por parte dos seus pais e logo a seguir sentia-se abandonada porque eles: após a presentearem com algo, partiam sempre em longas viagens e deixavam-na com a sua avó. Maria habitou-se a criar uma natural desconfiança perante estas “surpresas”. Maria sabia disto, mas julgava que tal tinha ficado no passado. Não se tinha apercebido de como essa sensação, ainda nos dias de hoje, lhe era tão desconfortável. João, nunca soube de nada.
Onde é que este casal errou? Errou ao pessoalizar a situação. João sentiu-se pessoalmente ofendido. Ficou triste, magoado e zangado e esta zanga minou toda a relação.
O que é preciso fazer?
Para um casal existir de forma harmoniosa, é fundamental saber comunicar! E mais que isso, não pessoalizar, de imediato, certas atitudes. Os comportamentos devem ser entendidos dentro de contextos, do presente e do passado. Teria sido extremamente útil uma conversa entre Maria e João em que falassem sobre o incidente ocorrido. Talvez algo como:
- Maria fiquei muito magoado com a tua reacção! O que é que te deu? Parece que ficaste muito desconfortável com a situação!
- João, não sei o que se passou... Foste um querido, mas eu não sei. Sei lá! Não gosto de surpresas!
- Hum... Pensa lá um bocadinho... Houve alguma situação anterior em que ao receberes uma surpresa tenhas ficado desconfortável?
- Porque é que dizes isso?! Deixa-me pensar... Olha, até houve várias!
E assim seria possível entrar num campo de entendimento.
Este tipo de comunicação é muito, mas mesmo muito importante dentro de um casal!
Portanto, não pessoalize logo as situações e procure sempre perceber a história de vida da pessoa que tem ao seu lado!
Se a zanga já mina toda a relação, então procure um psicólogo que a ajude! Talvez um terapeuta de casal seja mesmo o mais indicado!
Pense nisto!
Autora: Cristina Sousa Ferreira
Psicóloga Clínica
“Televisão!! Professora, mãe, amor secreto.”- Homer Simpson
Depois de um dia de trabalho sabe tão bem atirarmo-nos para cima do sofá, ligarmos a TV e vermos o nosso programa favorito.... Será isto verdadeiramente errado? Será que deveriamos fazer qualquer coisa mais criativa ou desafiante com o nosso tempo como ir a uma aula de aeróbica ou aprender viola clássica?
Um estudo recente sugere que a TV pode ter uma utilidade, apesar de tudo (Derrick, 2012). Estranha? Pois também eu...
O problema com os dias stressantes é que dão cabo do nosso auto controlo. É um recurso finito que desaparece fácilmente ao fim do dia. Por muito boas intenções que tenha sobre o que vai fazer ao fim do dia.... não vão passar disso... ao fim do dia está estafado!
Num artigo do “Journal of Personality” uma equipa de psicólogos refere que o auto-controlo está associado com o sucesso: maior auto-estima, melhores competência interpessoais, melhores respostas emocionais, e supreendentemente talvez alguns inconvenientes quando falamos de níveis muito elevados de auto-controlo (Tangney et al., 2004)
Uma das formas de “recarregarmos” o nosso auto-controlo é rodearmo-nos de um meio social familiar. Pessoas que conhecemos bem dão-nos um sentimento de pertença e carregam-nos as “baterias”, melhoram nosso humor e auto-realização. Isto faz-lhe sentido? Claro que sim.
O que talvez estranhe é que as pesquises demonstram que as pessoas vivem as personagens da TV como reais e que estas também lhes dão este sentimento de pertença.
Numa das suas pesquisas, Jaye Derrick da Universidade de Bufalo, descobriu que depois de “esgotarem” o seu auto-controlo as pessoas automaticamente procuram um universo familiar de ficção, um programa de TV ou.... o livro preferido.
Um segundo estudo sugeriu ser necessário que este universo de ficcção seja familiar tal como os que podemos apreciar em boas comédias ou séries de ficção.
Nada disto quer dizer que se deve entregar totalmente ao Frasier Crane, Jerry Seinfeld ou ao Homer Simpson. Não quer dizer que deve deixar de ir conversar com amigos ou estar em família, genuínas interacções sociais. Esta pesquisa diz-nos no entanto que em períodos curtos ver um programa familiar de TV pode ter um efeito regenerador do auto-controlo.
E esta hem?!
Autora: Inês Mota
Psicóloga Clínica
Todos sabemos a dificuldade de permanecer em equilíbrios estáveis nas relações e igualmente conhecemos a forma com os conflitos parecem adquirir uma força própria e poderosa para se instalarem nas relações, definindo-lhes muitas vezes um rumo perigoso.
Pode por isso ser importante aproximar a lupa a este fenómeno tão predominante e tão nefasto.
Uma característica importante dos conflitos, que nos permite perceber a força quase maquiavélica com que às vezes se impõem, é a forma como muitas vezes são implícitos e não manifestos, não permitindo assim àqueles que o reforçam, perceber e resolver a questão em disputa (pelo menos de forma imediata).
Outra característica que certamente conhece dos conflitos é a forma como nos conseguem deixar completamente desorientados e extenuados, pois de facto, em conflito, a energia utlizada para o alimentar é na realidade dissipada, desgastando-se, escoando-se e perdendo-se, ao invés de ser aproveitada de forma útil e produtiva.
Um outro fenómeno associado aos conflitos é a turbulência que criam, ou seja é gerada uma “corrente de ar turbulenta” que funciona como o atrito, gerando travagem, anulando assim o impulso para gerar movimento. A turbulência é instável e cria lentidão de reações, por isso nos é tão difícil, em conflito, reagir de forma orientada e orientadora mas tão facilmente de forma dispersante.
Todas estas reações sucedem no conflito, pois normalmente os envolvidos debatem-se para manter um equilíbrio que se perdeu, reagindo assim ao que interpretam como a ameaça da mudança.
E é assim que é gerado e alimentado o conflito, com elevados consumos de energia que é utilizada, no entanto, de forma completamente contraproducente. Concretizando, veja-se os casos em que os envolvidos numa relação em conflito sistematicamente se atacam e recriminam, como fazem apelo ao medo com ameaças ou se julgam aparentemente ligados pela corrente energética cada vez mais consumida do conflito.
Se se debate com estes fenómenos e características na sua relação, esta poderá ser a altura ideal para refletir e poder ousar procurar o encontro com a mudança.
Avance, este poderá ser um importante momento de viragem, na sua relação e/ou na sua vida e procurar ajuda pode ser também um passo importante a dar.
A arte a conhecer e desenvolver será conseguir traduzir o que o conflito parece estar a gritar, conseguir interromper a forma como o está a alimentar, o que lhe permitirá armazenar energia que poderá conseguir usar para gerar movimento no caminho da mudança.
Assim, aprendendo como usar de forma produtiva, a energia em desgaste no conflito, conduzirá certamente a um caminho de mudança, de enriquecimento e crescimento pessoal.
Autor: Francisco de Soure
Psicólogo Clínico
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O Pedro sempre disse viver numa estação de comboios. Diante dele apresentava-se uma sucessão de linhas, cada uma percorrida por dezenas de comboios, cada um deles com destinos diferentes. Cada possibilidade aguardava um conjunto de resultados incertos. Será que o comboio das 10h para Tomar o conduziria à satisfação profissional? Será que o das 13h para o Porto lhe traria o amor da sua vida, a pessoa certa para o completar e acompanhar até à velhice? Será que o das 17h para Beja o levaria a aprender como manter os seus amigos?
Indeciso, o Pedro dava por si a correr de linha para linha, a estudar cada destino e cada comboio obsessivamente, assoberbado pelos riscos em que incorria a cada viagem possível. Dia após dia, o Pedro observava os comboios partir, alguns com carruagens, de semblante franzido pela ausência de passageiros, outros iluminados por fila após fila de lugares preenchidos. Perguntava-se a si mesmo o que faria com que todos entrassem sem hesitações para a carruagem, e se sentassem nos seus lugares como se da decisão mais leviana se tratasse. Como era possível que tantas pessoas diferentes – centenas! – embarcassem diariamente em viagens cujo resultado era tão obscuro, aparentando não ter qualquer reserva relativamente à enormidade de incerteza para que se projectavam.
E os que chegavam? Desses nem se falava! Vinham satisfeitos, alegres, e eram recebidos por abraços e beijos de quem deles tanta falta sentia! Sentado no banco à esquerda do quiosque de café, com uma chávena vazia entrelaçada nos dedos, o Pedro reflectia sobre a sua insatisfação, por contraste com a alegria dos outros passageiros.
Naturalmente devia estar insatisfeito, dizia o Pedro a si mesmo. Pois se estava numa estação de comboios era suposto viajar para algum lado! É esse o objectivo de estar numa estação de comboios. Ninguém com dois dedos de testa, com um mínimo de interesse, se contenta com ficar parado numa estação de comboios. Tanta vida para viver, e levar os dias entre o quiosque do café, a casa de banho pública e o gabinete do guarda nocturno que o deixava ver o último reality-show numa daquelas TVs portáteis, pequeninas. Ridículo! “Que ridículo e inútil sou eu!”, pensava para si.
Não tardou a que percebesse que esta enorme zanga consigo se devia a ver-se como incapaz de embarcar na viagem em que tantos pareciam embarcar, mesmo que com destinos diferentes: a do crescimento, da felicidade, da descoberta.
Era esta a vida do Pedro. Aos 33 anos, não era numa estação de comboios real que vivia, mas era assim que se sentia. A viver com os Pais nos subúrbios de Lisboa, a ocupar orgulhosamente um sótão do qual reclamava independência como uma espécie de basco de liceu, a sua vida pouco diferia da que vivia aos 16 anos. Desde que concluíra o 12º ano não conseguira definir que rumo dar à sua vida. Três licenciaturas tinham sido comboios nos quais chegara a embarcar, mas dos quais tinha saído ainda antes de partir. Depois disso, uma sucessão de empregos para os quais se sentia desmotivado, incompetente, ou bom demais.
Todos os seus amigos iam já várias estações à frente. Alguns tinham constituído família, outros emigrado, outros ainda empenhavam-se em construir carreiras. Com graus diferentes de sucesso, todos eles viajavam, e com regularidade. Sob uma capa de justificações que oferecia prontamente aos seus amigos e família quando o confrontavam com a sua situação ao passar pela estação, o Pedro via crescer em si um desânimo e desilusão consigo que se tornavam incontornáveis. Passava cada vez mais tempo a jogar videojogos, a surfar a internet, a dormir a meio do dia. Com cada dia que passava, sentia-se com menos energia, e menos capaz de fazer fosse o que fosse. Quando não se conseguia anestesiar com as suas distracções dava por si a chorar espontaneamente e a questionar o sentido de estar vivo.
Tornava-se evidente que o Pedro estava deprimido, e há muito tempo. Tudo começara com a pressão de ter uma vida de sucesso. Depois de acabar o secundário, todas as decisões que tinha que tomar por si mesmo representavam um risco demasiado elevado. Ponderava obsessivamente as implicações de cada uma, e para todas encontrava desfechos desagradáveis. O Pedro não o sabia ainda, mas sofria de Perturbação de Ansiedade Generalizada. Esta é uma perturbação de ansiedade que se caracteriza precisamente por um padrão de ruminação sobre a probabilidade de insucesso ou perigo a cada decisão. A imobilidade que produz resulta, diz a investigação, em perturbações depressivas para mais de 60% das pessoas que dela sofrem. É um sofrimento silencioso, que quem dele sofre não compreende, e que quem o rodeia rotula como cobardia ou preguiça.
O Pedro procurou ajuda, e a sua vida começa a ser diferente. A psicoterapia tem-no ajudado a gerir a sua ansiedade, e a perdoar-se pela sua inactividade, de forma a que possa seguir em frente. O treino de meditação tem permitido que viva cada momento como um momento, e a deixar que as consequências se desenrolem quando vierem. “Atravesso essa ponte quando lá chegar”, é a frase que repete a si mesmo nos momentos de maior incerteza.
Se nos lê, pode ser que se tenha visto a si nesta posição. Ou que se reveja em alguns dos sintomas depressivos que descrevemos. Se for esse o caso, não deixe de entrar neste comboio. Procure ajuda!