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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autor: Francisco de Soure
Psicólogo Clínico
“Hoje, a manhã começou bem… Com gritos e insultos do meu chefe mal pus o pé no gabinete dele. De incompetente passei a idiota e mentecapta. Tudo por causa de uma insignificância! À medida que ele debitava críticas do alto da sua sobranceria e superioridade, como se eu sofresse de alguma debilidade mental, crescia uma misturada de sensações dentro de mim. O meu estômago revirava, o meu peito apertava-se, a respiração ficava difícil e a garganta palpitava, abrindo e fechando ao ritmo do meu coração acelerado. O ardor nos meus olhos deixava-me numa luta contra as lágrimas. Se de raiva ou vergonha, se de medo ou vergonha, nem sei dizer. Dei por mim a ver-me outra vez uma miúda de 7 anos, a ser insultada sem piedade, de punhos cerrados, a morder o lábio e engolir em seco. Ainda hoje me custa aceitar que, de cada vez que sou assim agredida pelo meu chefe, torno a ver nele o meu pai. Cada farpa que se solta da boca dele crava-se em feridas que parece ainda ontem terem começado a cicatrizar, e dou por mim confusa e chocada. Porque é que não consigo ultrapassar estas coisas? Porque é que agora, uma mulher adulta, continuo a não conseguir controlar estes sentimentos?”
Este texto é ficcional. No entanto, poderia facilmente descrever a experiência de várias pessoas com quem me tenho cruzado ao longo da vida, muitas delas com quem trabalhei. Imagino que, ao lê-lo, talvez possa sentir que reflicta a sua própria experiência. Ou, quem sabe, a daquele seu amigo, familiar ou até colega de trabalho que parece ter enormes dificuldades em lidar com a crítica, o stress provocado pela pressão exercida por outros, ou mesmo a falta de atenção que lhes é dada. Falamos de pessoas que trazem da sua infância e adolescência histórias marcadas pela desvalorização, pela crítica sem freio, pela ausência continuada de manifestação de afectos, de elogio ou reconhecimento, pela negligência, pela violência física ou verbal e pela indiferença às suas necessidades e sentimentos. Histórias que deixam nelas marcas, como cicatrizes cruas e sensíveis. De tal forma sensíveis que se tornam botões que trazem à flor da pele, que sempre que são pressionados activam uma cascata de emoções e reacções corporais muitas vezes difíceis de conter. Para quem vive com estas cicatrizes, gerir as emoções e a sua expressão junto dos outros torna-se uma missão, uma tarefa diária que carregam como uma cruz. Afectam as suas relações íntimas, geram conflitos e insatisfação nas suas amizades, fazem-nos sentir como se nunca fossem suficientemente valorizados, tornam quase impraticável gerir a pressão e o feedback dado no local de trabalho. A longo prazo, estas dificuldades criam uma insatisfação e um desgaste que propiciam o aparecimento de um sofrimento psicológico cada vez maior. É frequente que venham até nós com quadros de depressão e, frequentemente, de ansiedade extrema. Estas situações prolongam e agravam o seu sofrimento e dificuldade.
A boa notícia, caro leitor, é que esta aparente espiral de sofrimento não é irreversível! A existência de experiências passadas dolorosas que, ainda hoje, nos deixam marcas não é uma sentença de sofrimento psicológico sem retorno. A psicoterapia é hoje, e cada vez mais, um importante e eficaz recurso para a regeneração destas cicatrizes que coleccionamos. Por isso, se se revê no excerto que abre este artigo, ou há alguém importante na sua vida que identifique com ele, não se renda! Procure ajuda!