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Autora: Catarina Mexia

Psicóloga Clínica

 

Quando casamos e temos filhos, os nossos pais continuam a influenciar-nos. Os pais influenciam os filhos e mães as filhas. Quer tenhamos consciência disso ou não o exemplo que provém dos nossos pais influencia-nos profundamente na forma como tratamos os nossos companheiros e educamos os nossos filhos.

 

São muitos os exemplos que cada um de nós poderia evocar mas recordo aqui o de Jorge. No final de um dia de trabalho, este cliente gostava de chegar a casa sentar-se no sofá, ler o seu jornal, ver a televisão. Contudo o jantar precisava de ser preparado, os filhos precisavam da ajuda do fim de dia, a casa precisava de um jeito. Teresa, a mulher também trabalha fora e queixava-se que a sua profissão é tão cansativa quanto a do Jorge.

As queixas da Teresa prendiam-se com o desejo de ver o Jorge participar na vida familiar.

O Jorge é uma pessoa com um sentido de justiça ajustado que considera este pedido da Teresa perfeitamente razoável. Contudo, uma outra parte  dele como que lhe recordava constantemente que este não era o papel do homem.

Para o Jorge, cuidar da casa é trabalho de mulher. Muitas vezes era assaltado pela ideia “Mas quem ela pensa que é para mandar em mim?” Para este cliente assentir nos pedidos da mulher era humilhar-se e sentir-se menos homem. Contudo, e porque gostava profundamente da mulher, percebia-se num intenso conflito.

Se por um lado fazia o que lhe era pedido, também o fazia de má vontade o que criava uma atmosfera muito desagradável em casa, um dia após o outro.

 

 

Mas realmente onde estava o conflito? De uma forma imediata, o conflito parece estar no casal. Contudo se olharmos com mais atenção o conflito real situa-se entre o Jorge e o seu pai, mais propriamente a personalidade do Jorge e os valores adquiridos do seu pai relativamente ao papel do homem num casal.

 

O Sr. Manuel, pai do Jorge, foi descrito como autoritário, um “homem á antiga”, para quem “as mulheres são para estar na cozinha”, que o filho aprendeu a temer, mais do que a respeitar. Para o Sr. Manuel o valor do trabalho do homem e da mulher eram duas coisas completamente distintas. O papel do homem era garantir o ganha-pão da família, coisa que ele soube fazer com muito empenho e dedicação, coisa de que o Jorge falava com muita admiração.

 

O Jorge é o único rapaz de uma frateria de seis em que os outros filhos são raparigas. Ele é o 5º. Como é fácil de perceber não só foi muito protegido pelas irmãs como foi acolhido pelo pai como o seu “protegido” a quem foi passado um testemunho familiar especial, como dizia o meu cliente “coisas de homens”. Estas não incluíam o cuidar da casa ou dos filhos.

Quando o Jorge concordava com a Teresa e a ajudava com as coisas da casa e dos miúdos, sentia-se culpado, traidor de uma tradição familiar, que estava a ser desleal ao seu pai.

 

Durante o trabalho terapêutico foi possível compreender de onde vinham estes sentimentos e estas ideias. A certa altura ficou claro que as aprendizagens internalizadas durante o seu crescimento o levaram a este conflito interno, expresso pelo conflito com a Teresa. Na realidade o Jorge rapidamente percebeu que o seu conflito decorria do sentimento de estar a trair os valores do pai, que ele próprio já não conseguia assumir como seus.

 

Resolver este tipo de situação não é fácil, exige tempo e a capacidade do casal perceber as heranças trangeracionais.  Contudo, para a Teresa e para o Jorge, foi muito importante compreender a raiz do conflito.

Este é apenas um exemplo dos muitos que podia trazer aqui para ilustrar a profunda influencia que os nossos pais têm nas nossas atitudes tanto como cônjuges como pais. O casamento dos nossos pais influencia o nosso. A forma como fomos educados influencia a forma como educaremos os nossos filhos.

 

Nem sempre se trata de um legado positivo, e enquanto não tivermos consciência da sua existência manter-se-á fora do nosso controlo. Enquanto não o compreendermos, estamos condenados a repetir cegamente o comportamento dos nossos pais a rejeitá-lo totalmente. Contudo, podemos deliberadamente considerar os diversos aspectos e dimensões dos papeis de esposa/o e mãe/pai que vimos desempenhar, seleccionando conscientemente aqueles que a nós melhor se adaptem. A compreensão dá-nos alternativas onde antes não existiam.

 

publicado às 16:53



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