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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autora: Isabel Policarpo
Psicóloga Clínica
Embora o tratamento com anti-depressivos deva ter uma duração de pelo menos seis meses após a remissão dos sintomas, diversos estudos têm evidenciado que uma percentagem elevada de pacientes – até 38%, tratados com anti-depressivos do grupo dos SSRI, actualmente os mais prescritos (paroxetina, fluoxetina, fluvoxamina, citalopram, escitalopram, sertralina, e doses baixas de venlafaxina) apenas adquire uma embalagem do medicamento na farmácia, donde se conclui que muitos pacientes descontinuam o tratamento, muito antes da duração mínima recomendada.
Que razões podem estar associadas a esta não-aceitação? Haverá algum perfil de paciente e/ou algumas características associadas à mesma?
Um estudo levado a cabo recentemente revelou que a adesão à medicação não está relacionada com a escolha do fármaco, dado não se registarem diferenças significativas entre os que aderiram à terapêutica e os que não aderiram, em função do tipo de SSRI prescrito. Igualmente não se verificaram diferenças no que respeita ao número de pacientes que reportaram um ou mais efeitos adversos, entre os que aderiram e os que não aderiram à terapêutica, embora quem descontinuou a medicação tenha reportado muitos mais efeitos secundários.
Um número importante de não aceitantes, referiram contudo ter aversão ao uso de medicamentos. O medo dos efeitos secundários e a actual ocorrência dos mesmos, surgiram como as principais razões para a não-aceitação do tratamento com anti-depressivos. Dos pacientes que revelaram não-aceitação, detectou-se que 30% nem sequer iniciaram o tratamento, enquanto 70% descontinuaram o tratamento após duas semanas. Mais de metade destes doentes fizeram-no por sua iniciativa, sem sequer informar o médico.
Parece também haver uma diferença no que respeita à percepção da doença entre os pacientes e o médico. Com maior frequência os pacientes não aceitantes, ao inverso dos seus médicos, denominam os seus sintomas de stress e fadiga, discordando assim do diagnóstico do médico. Um em cada três não aceitantes cujo médico fez o diagnóstico de depressão, não sentiam estar deprimidos, isto é, a severidade que atribuíam ao seu problema era menor do que aquela que o médico considerava.
Este é um dado muito importante, dado que a adesão à terapêutica é menor quando os pacientes percepcionam que não precisam de ajuda medicamentosa ou que os seus problemas são menores, uma questão que ganha relevo neste contexto na medida em que a medicação psiquiátrica tende a ser considerada perigosa. Efectivamente, metade dos pacientes expressa preocupação pelos efeitos de longo prazo dos anti-depressivos, pelo que não os dispensa, se os considera desnecessários.
O estudo revelou ainda que a não aceitação é mais comum junto dos pacientes que apresentam um nível educacional mais baixo, dos pacientes com idades superiores a 60 anos, e ainda daqueles que reportaram sintomas inespecíficos como fadiga, stress e insónia para o uso de anti-depressivos.
A aceitação do tratamento com SSRI é um momento decisivo do processo de adesão ao tratamento iniciado pelo médico e que merece mais atenção, sem o qual o risco de não aceitação é elevado sobretudo junto dos grupos de risco de não aceitação.
Os profissionais de saúde e o médico em particular deveriam fazer um esforço para garantir que os pacientes com menor nível educacional e mais velhos percebem as mensagens educativas essenciais do uso de SSRI.
Os pacientes que iniciam o tratamento com SSRI precisam de ultrapassar diversas barreiras. Receber a primeira prescrição para um anti-depressivo pode ser considerado um evento perturbador e desagradável. Durante a consulta inicial, os pacientes que estão deprimidos podem ter dificuldades em absorver a informação cedida pelo médico. Acresce que após o início do tratamento diversos efeitos adversos podem ocorrer, muito antes de quaisquer melhoras serem percebidas pelo paciente.
Os SSRI podem causar efeitos indesejáveis e desagradáveis como problemas gastro-intestinais, palpitações, tonturas e insónias, que podem ocorrer poucas horas após a toma, enquanto são precisas diversas semanas até o paciente começar a sentir melhoras e o efeito terapêutico dos fármacos. Ter conhecimento deste fenómeno pode ser crucial para os doentes tolerarem as primeiras semanas de tratamento.
É importante conhecer as crenças e as atitudes dos doentes face aos fármacos e o modo como interpretam os seus sintomas, bem como em que medida acreditam que os SSRI os podem ajudar. Os médicos deveriam pois perguntar aos seus pacientes como interpretam os seus sintomas e em que medida acreditam que a prescrição de SSRI pode ser útil no tratamento dos seus sintomas.
As crenças e as atitudes dos pacientes em relação à medicação são importantes factores preditivos do uso apropriado de anti-depressivos e devem pois ser considerados. As perspectivas do doente sobre o tratamento são essenciais na compreensão dos comportamentos relacionados com a saúde e promotores da mesma.
O medo dos efeitos adversos, que pode impedir os pacientes de iniciar a medicação anti-depressiva pode ser causada pela informação do folheto que acompanha o medicamento, que pode causar ansiedade, isto não significa contudo que essa informação não deva ser dada ao paciente, mas pelo contrário. Discutir previamente os efeitos adversos no início e durante o tratamento encoraja a iniciação e a continuação do tratamento. De facto os pacientes que retiveram da visita inicial algumas mensagens educativas foram mais capazes de continuar o tratamento durante o primeiro mês de tratamento.
Em síntese a prescrição de anti-depressivos, deverá ser cada vez mais entendida como uma decisão partilhada entre o médico e o paciente no âmbito de uma relação de confiança, capaz de evitar ou minimizar a descontinuidade do tratamento; particular atenção deve ser dado às populações menos aceitantes.