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Mudança: burro velho não aprende línguas?

por oficinadepsicologia, em 30.06.10

Autora: Madalena Lobo

Psicóloga Clínica

 

Enquanto que até há 10 anos atrás os consultórios dos psicólogos acolhiam pessoas até à casa dos 40 anos, hoje as diferenças etárias na busca de psicoterapia tendem a esbater-se e existe já uma proporção importante de pessoas nas faixa dos 50 que acorrem aos psicólogos. Com esta alteração ganham importância temas que, ainda que não estivessem ausentes anteriormente, se agudizam agora, alguns deles constituindo-se como claros bloqueios à mudança. E é sempre de mudança de que falamos, quando falamos de psicoterapia.

 

Um desses temas é o de que a mudança deixa de ser possível a partir de uma certa idade, tema este apresentado nas suas mais diversas variações e mais ou menos consciente por parte de quem o partilha. Qual é exactamente essa idade, ninguém o sabe definir, mas todos temos, lá no fundo, uma noção implícita de quando começa o “tarde demais” – e, curiosamente, já “tarde demais”… Aliás, diria que, com a crescente idealização da juventude que nos atravessa diariamente, este “tarde demais” começa cada vez mais cedo num incrível paradoxo com a florescente indústria de rejuvenescimento e com o aumento de qualidade de vida em anos progressivamente mais tardios.

 

Infelizmente, os resultados de investigações e conceptualizações científicas tardam décadas até se tornarem propriedade das nossas vidas do dia-a-dia e se integrarem nos pressupostos subconscientes com que vamos governando as nossas vidas. Se não, repare-se: Freud desapareceu há já 70 anos e apenas há alguns se vulgarizaram termos e conceitos que introduziu – hoje falamos em complexos e presumimos influências da infância em conversas casuais, enquanto esperamos por uma bica. Entretanto, os avanços explosivos da neurociência, a partir da década de 90 – a década do cérebro – agora já “adultos” de 20 anos, continuam sem entrar nas nossas explicações sobre a vida, forçando-nos a permanecer em visões de um determinismo quase estático: eu sou como me criaram e assim serei. Como também ainda estamos alheados de todo o conjunto de investigação referente, por exemplo, à epigenética, socorremo-nos da resignação oriunda de outro determinismo igualmente estático: eu sou a expressão dos meus genes.

 

 

Na antiguidade bafienta destes e outros conceitos há muito actualizados com o reconhecimento do dinamismo inerente a todas as camadas que compõem a vida, vamos assumindo pressupostos de que não mudaremos (sobretudo, a partir de “certa” idade) ou de que os limites para o fazermos são reduzidos. E, quando a vida nos dói, e nos sentamos num consultório de psicologia, temos uma centelha de esperança de que seja possível mudar, para parar a dor, enquanto, simultaneamente, duvidamos da nossa capacidade para o conseguir – pela idade que temos, pelos genes que herdámos, pela educação que nos foi dada – e assumimo-nos passivos, expectantes por um passe de mágica libertador, que aja sobre nós, ao invés de nós agirmos.

 

Se sobrevivemos à pílula mágica que irá corrigir um desequilíbrio qualquer químico pressuposto (existe mesmo? Será causa ou consequência do mal-estar que nos invade? Temos mesmo os compostos químicos que o corrigem? E porque é que isso não tem vindo a acontecer de facto, nestas nossas sociedades ditas civilizadas e altamente medicadas, em que os problemas de saúde mental aumentam a par e passo do aumento de medicação psiquiátrica vendida e que os deveria corrigir?), lá vamos tentar deixar a nossa dor para reparação pelo psicólogo. O que não vai acontecer porque ninguém é capaz de mudar por outro – esse outro que se acredita impossibilitado de o fazer. Situação complicada esta, não?

 

Então que tal actualizarmo-nos?

 

Os genes são importantes, claro. A estrutura, a base de onde se parte facilita-nos ou dificulta-nos a vida, circunscreve-nos um raio de acção. Mas é um raio muito amplo, pelo que podemos perceber de diversas investigações que vão apontando para o efeito de interacção entre o que temos e o que vivemos, aquilo que vai actuando sobre nós, aos mais variados níveis. De alguma forma, ainda não totalmente clara, tudo leva a crer que a forma como os genes se expressam é largamente moldado por inúmeros factores – ou seja, o mesmo gene pode levar a expressões irreconhecivelmente diferentes, consoante o que lhe vai acontecendo e as diferentes interacções no organismo e deste com o meio ambiente. O mesmo piano pode tocar um excerto clássico, jazz e mesmo música pimba…

 

Os mesmos acontecimentos, de igual forma, tocam-nos de maneiras absolutamente diferentes; milhares de pessoas que, por exemplo, se têm defrontado com a mesma catástrofe, de tantas com que a História recente se tem escrito, mas que reagem de formas que abrangem toda a gama do possível. Então as experiências pelas quais vamos passando, incluindo as da nossa infância, podem jogar com as probabilidades num ou noutro sentido, mas deixando-nos sempre a diversidade de reacção, confirmando a nossa margem de manobra e afastando-nos de profecias deterministas.

 

Finalmente, todos os meses surge mais um resultado científico que confirma a plasticidade do cérebro adulto: a sua capacidade de auto-regeneração, de estabelecer novas ligações, de se modificar estrutural e funcionalmente, para se ir adaptando, realizando aprendizagens, modificando-se. Com base nas experiências a que os expomos ou vão surgindo, ainda ninguém marcou uma idade (tanto quanto eu saiba) a partir da qual o cérebro humano deixasse de ser capaz de se ir modificando.

 

Como tudo isto, a que se junta muito mais de que não falei por ignorância e falta de espaço, como é possível pensarmos que é tarde demais para mudarmos? Quando a vida dói, podemos ter toda a tranquilidade para pensarmos em mudança aproveitando a enorme capacidade de adaptação que caracteriza o nosso organismo.

 

Burro velho não aprende línguas mas não é por ter envelhecido; apenas porque é burro, e burro não fala…

 

publicado às 10:00


1 comentário

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De ajcm a 05.07.2010 às 23:09

Freud continua a ser grande referencia para a psicologia de café, quando ele era de facto um psicanalista...
mas continuo a acreditar de quem os portugueses preferem é o Dr. Bambo.

A sociedade de hoje está recheada de imagens estereotipadas e conceitos que são apenas palavras vagas, a psicoterapia reclama um esforça de introspecção e de individualização, mas isso não ensinam nas escolas, é o esforço de cada um.

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