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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autor: Francisco de Soure
Psicólogo Clínico
“Estou deprimido/a” é uma das expressões que se tornaram de uso corriqueiro no vocabulário português. Usamo-la como um substituto para “estou a ter um mau dia”, “estou triste”, ou “ando de mau humor”. Estar deprimido tornou-se um dado adquirido na nossa sociedade. Se, há uns anos, era motivo de vergonha ter uma depressão, hoje em dia tornou-se algo de comum. De tal maneira comum que se generaliza qualquer estado de baixa de humor como depressão. E se, a um determinado nível, se pode dizer que o uso do termo tem sido abusivo, esta massificação da expressão é um sinal dos nossos tempos. Na verdade, a depressão tem tido um crescimento exponencial na nossa população nos últimos anos. De tal forma que se fala hoje na depressão como a “constipação da saúde mental”. Qualquer um de nós tem um familiar, um amigo, ou já sofreu na pele os efeitos da depressão. A venda de medicamentos anti-depressivos nunca foi tão grande como hoje, as baixas médicas devidas à depressão nunca foram tão elevadas. A Organização Mundial de Saúde aponta hoje a depressão como uma das maiores causas de absentismo laboral e aponta para um crescimento ainda maior.
Ainda que a diversidade de definições e formas de diagnóstico dificulte a determinação da sua frequência real, neste momento estima-se que entre 30 e 60% da população mundial sofra, num dado momento da sua vida, de um episódio depressivo. Nos adultos a dimensão do problema é bem conhecida, e todos os indicadores apontam para que seja cada vez mais frequente em crianças e adolescentes, com consequências sérias. E quem já viveu ou viu o fenómeno em alguém próximo sabe o quão devastadores podem ser os efeitos da depressão na nossa vida.
Estudos médicos nos últimos anos têm vindo a demonstrar que a presença de depressão é um dos factores que mais retarda a recuperação de doentes em convalescença, e que pessoas deprimidas têm um risco muitíssimo aumentado de virem a sofrer de outras doenças do foro físico e mental, debilitando o sistema imunitário. Se, para algumas pessoas, os efeitos da depressão são subtis, como uma incapacidade para sentir alegria e prazer, desmotivação, insónia ou perda de apetite pela vida (ou seja, apetite alimentar, apetite sexual e até apetite social!), para outras os efeitos podem ser bem mais graves. A incidência de suicídio em países desenvolvidos aumentou meteoricamente nos últimos 50 anos, e são muitos os exemplos de pessoas que passam vidas inteiras debilitadas com sintomas depressivos.
Como esta diversidade de sintomas indicia, a depressão não tem uma manifestação linear e óbvia como outras doenças. É mais comummente associada à tristeza, choro, abandono dos cuidados pessoais, retraimento social, falta ou excesso de sono e apetite, ideias de auto-desvalorização. É esta, normalmente, a forma mais evidente de depressão. Outras existem, bem mais insidiosas, matreiras, que se mantêm escondidas e provocam um sofrimento enorme. Muitas vezes arrastam-se por anos, exactamente por não nos limitarem o suficiente para procurarmos ajuda. Vêem-se na desmotivação persistente, na ausência de momentos de alegria e prazer intensos no dia-a-dia, no pessimismo recorrente, na irritabilidade e ansiedade ligeira. Na maioria das vezes, chamamos-lhe outros nomes: preguiça, “mau-feitio”, “nervos”, “desmancha-prazeres” ou até timidez.
Ao longo dos anos muitas têm sido as explicações e causas atribuídas à depressão e ao seu crescimento nas sociedades modernas. De um ponto de vista sociológico, é frequente atribuir-se este crescimento à instabilidade e precariedade nas nossas vidas pessoais e profissionais, ao stress que coloca sobre nós a intensidade e exigência das profissões modernas, à desagregação do sistema familiar tradicional, ao florescimento de uma cultura orientada para o sucesso pessoal e imediato, medido pelo desafogo económico, por contraste com uma sociedade orientada para valores de proximidade com os outros e partilha e crescimento pessoal, ao mesmo tempo que as exigências do nosso dia-a-dia nos levam a um cada vez maior isolamento das pessoas de quem gostamos.
Psicologicamente, as explicações são muitas, e provavelmente todas igualmente verdadeiras. De um modo geral, é ponto assente que alguém deprimido tem ideias muito negativas acerca de si mesmo, do mundo em redor, e do seu futuro. Uma pessoa deprimida vê persistentemente o mundo através de óculos escuros com lentes quase opacas. A tristeza é aquilo de que mais tenta fugir e esconder-se, ao mesmo tempo que se torna a sua mais fiel companheira. Cada dia começa com uma nova expectativa de que pouco corra bem e dê prazer. As visitas ao espelho devolvem a imagem de uma pessoa de quem se gosta muito pouco. Os contactos com os outros proporcionam pouco prazer, até porque a dada altura se espera que os outros retirem muito pouco prazer em estar connosco.
Em muitos casos, a depressão aparece sem uma explicação aparente. Vem de repente, sem se esperar, e só nos apercebemos que nos estamos a deprimir quando já o estamos. E, mesmo assim, são muitas as vezes em que nós próprios nem nos apercebemos que deprimimos. Para muitos, surge como consequência de perdas significativas. A morte de alguém querido, um sonho que se desfaz, o fim de uma relação próxima, uma mudança de vida repentina e desagradável, ou o acumular de situações de stress, de mágoa, de abandono e rejeição são algumas das causas mais frequentes.
A prática clínica em psicoterapia oferece-nos uma grande diversidade de exemplos. Na verdade, a depressão é o foco principal, ou aparece associado à maioria dos pedidos de ajuda em consultório. Qualquer psicólogo, ou até mesmo médico de Medicina Geral e Familiar, terá facilidade em identificar a depressão como uma das dificuldades presentes numa grande fatia de pessoas que o procuram.
No meio de tantas manifestações diferentes, é natural que se levantem muitas questões. Que demos por nós a questionarmo-nos se estaremos deprimidos. No entanto, algumas certezas existem. Em primeiro lugar, se se está a questionar se estará deprimido depois de ler este artigo, é provável que esteja. Em segundo lugar, há algo transversal a quem está deprimido: o sofrimento e a ausência de prazer na vida. Em terceiro lugar, dispomos actualmente de armas poderosas para combater esta perturbação. Em casos severos e crónicos, a medicação pode servir para aliviar alguns sintomas. Já a psicoterapia se tem vindo a desenvolver cada vez mais no sentido de dar respostas para quem sofre de depressão. Actualmente, pode-se actuar imediatamente e com eficácia sobre os sintomas, e de forma continuada permitir a pacificação das causas da depressão. Em quarto lugar, há que constatar a absoluta inutilidade de permitir o arrastar do sofrimento de uma depressão. Dizermos a nós próprios “isto passa” é um erro comum. Cada vez mais, a investigação aponta para que o prognóstico da depressão seja tanto melhor quanto mais cedo se intervier sobre ela. Se sente que está deprimido há muito tempo, não desespere. Uma depressão só é eterna se nós deixarmos. E, em quinto lugar, se parece certo que o desespero caracteriza a depressão, é cada vez maior a certeza de que a depressão é uma condição reversível, por isso tenha esperança!
E, acima de tudo, se sente que pode estar deprimido, não se resigne! Procure ajuda! É para isso que aqui estamos, é essa a nossa missão.