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Enlouquece-me

por oficinadepsicologia, em 03.08.10

Autora: Inês Alexandre

Psicóloga Clínica

 

Ele - Mas diz-me, quando nos chateamos preferes falar sobre o que aconteceu ou queres que te deixe em silêncio?

Ela - É óbvio, por isso não te vou responder a isso.

(Passadas algumas horas)

Ele - Desculpa, deve ser óbvio, mas não consigo chegar a nenhuma conclusão. Podes dar-me a solução?

Ela - É óbvio que depende!

 

O mundo está em transformação, mas a essência das dificuldades nas relações entre os homens e as mulheres parece manter-se. A dificuldade dos homens de entenderem a complexidade do universo feminino e de saberem como adaptar-se às exigências das mulheres é já um clássico. As dúvidas parecem acentuar-se ainda mais nos dias de hoje, em que parece que nem só a economia está em crise. As estruturas sociais, inclusivamente os papéis do feminino e do masculino, estão em mudança, mas ainda não foram criados novos guiões. Na prática, isto significa que andamos todos numa roda a viva sem sabermos bem o que queremos, o que esperamos, o que os outros querem, o que esperam de nós.

 

 

Senão vejamos. Elas querem que eles sejam sensíveis e capazes de exprimir os sentimentos, mas que não sejam lamechas ou frágeis (alternando o discurso entre o “tens de aprender a exprimir os teus sentimentos!” e o “mas agora andas sempre a dizer o que sentes e a querer falar sobre isto em vez de fazeres algo para mudar?!”); querem que eles tomem a iniciativa e que tomem decisões, mas que façam como e o que elas querem (“sou sempre eu a tomar a iniciativa em tudo, e ele quando decide, decide sempre mal”); que tenham os seus interesses, sejam interessantes e interessados pelo seu mundo, mas que sejam apaixonados e absolutamente dedicados à relação; que não sejam controladores e as deixem ser livres e independentes, mas se eles não perguntarem nada, isso será visto como sinal de desinteresse (“já não te interessas pela minha vida…”); que não insistam para ter relações sexuais (hoje não! Sabes como ando cansada, não me estás a respeitar”), mas que demonstrem que têm desejo por elas (“não te impões?! Isso só pode querer dizer que já não te sentes atraído por mim!”); que enviem 50 sms por dia sem serem chatos; que as dominem mas demonstrando que são elas que dominam (“tens de pegar em mim, atirar-me contra a parede e levar-me de viagem surpresa para aquele lugar paradisíaco de que te falei há 1 ano atrás”). E a lista seria infindável…

 

No entanto, o prémio do paradoxo em termos de exigência não vai para elas. Apresentam-se também algumas das exigências masculinas que dão cabo da cabeça a qualquer mulher: eles querem que elas sejam independentes (e que lhes dêem espaço, que eles normalmente precisam de muito ar) mas que se lhes entreguem emocionalmente (“andam frias as mulheres, pouco românticas, já não se entregam…!”); não querem que elas sejam frágeis mas também não querem que elas sejam fortes (“é um muro esta mulher, não se consegue chegar até ela”); querem que elas sejam sensíveis e intensas, mas que não sintam nem discutam demasiado (“magoei-a com isto?! Oh não, lá vamos nós falar sobre a relação”); gostam que elas sejam exigentes, profundas e interessantes, mas rapidamente as transformam em “chatas”, “desrespeitadoras das necessidades e do espaço do outro” ou pouco compreensivas (e cuidado, que podem tornar-se em seres mais interessantes do que eles…!); queixam-se de lhes serem dadas ordens, mas pedem cuidados de mãe. E a lista seria igualmente infindável…

 

E perguntamo-nos: como sair desta loucura?

 

Nascemos e crescemos no mundo ocidental, e por isso a resposta mais óbvia e adaptada ao discurso socialmente aceite talvez pudesse ser: define o que queres, escolhe, decide. Inventem-se rapidamente novos papéis. E assim transformávamos o discurso relacional numa lógica linear e simplificávamos significativamente a vida a dois.

 

Infelizmente, as tentativas feitas até agora de ir apenas nesse sentido parecem ser infrutíferas. Além disso, estaríamos dessa forma a excluir parte da natureza humana, que é esta capacidade que todos temos (talvez elas mais que eles, pelo menos por enquanto!) de incluir numa só pessoa pensamentos, sentimentos e comportamentos opostos, sem que mesmo assim deixe de ser uma só pessoa e passe a dividir-se em duas ou num seu múltiplo, dependendo do número de variáveis envolvidas na cena.

 

O segredo, dizem alguns entendidos, não está no famoso meio-termo, mas na aceitação de que é possível ser e querer uma coisa e também o seu contrário. Podemos ser muito intensos e muito tranquilos, muito apaixonados e muito independentes, muito exigentes e muito flexíveis, gostar e por vezes odiar, sermos românticos e práticos, doidos e certinhos. E depois de aceitarmos que todos somos o paradoxo em pessoa, aí sim, podemos escolher o que pensar, o que sentir, como reagir. Isto não quererá dizer ser apologista do “vale tudo” ou do salve-se quem puder nesta selva das relações. A existência de uma definição mais ou menos explícita do que queremos, do outro e da relação, é saudável, e pode e deve haver um esforço no sentido de cada um de nós entender quais as suas necessidades e explicitá-las, para que o outro possa escolher corresponder, ou não, às expectativas. No entanto, parece apenas também que se formos rígidos nessa definição, podemos correr o risco de nos desrespeitarmos, por estarmos a esquecer parte do que queremos e precisamos.

 

Por isso, da próxima vez que ela lhe responder que depende, considere que isso pode não querer dizer que ela está a tentar enlouquecê-lo (embora seja bom continuar a incluir essa hipótese explicativa para a irracionalidade do comportamento), e ser apenas…a verdade. E, se nesse dia escolher ser paciente e compreensivo (dependendo do seu próprio estado), poderá sempre perguntar-lhe se, naquele momento, ela prefere falar sobre o problema ou ficar em silêncio. Verá como tudo se resolve ou se dissolve. Ou como é ela quem começa a enlouquecer.

 

publicado às 11:44


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