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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autora: Joana Florindo
Psicóloga Clínica
Será possível alguém dizer que nunca comeu em demasia? Será possível alguém dizer que nunca se excedeu e abusou ferozmente daquele tentador preparado, bolo, pudim, chocolate ou gelado? Raros serão aqueles que vão responder afirmativamente a estas questões.
Aliás, se pensar nelas durante breves instantes, naturalmente se recorda daqueles deliciosos almoços em família, tão bem preparados pela avó e capazes de reunir de forma entusiasta todos os familiares em seu redor, ou daqueles demorados jantares de amigos, com deliciosas e tentadoras iguarias, dispostas sobre a mesa como uma arrebatadora obra de arte, ou talvez ainda, de um apetitoso e abundante banquete de festa de aniversário, casamento ou baptizado.
Seguramente que em alguma destas ocasiões, senão mesmo em todas, se recorda de ter cometido um ou outro excesso, de ter abusado de um ou outro alimento, tendo até por vezes comido para lá do exagero, ao ponto de sentir enfartada e indisposta. Talvez até consiga contar pelo número de dedos, as vezes em que isso lhe aconteceu, mas nem todas as pessoas o conseguem fazer. Há algumas que experimentam esse exagero com tamanha frequência, que já há muito perderam a conta aos dedos, e passaram a integrar esse comportamento excessivo no seu dia-a-dia.
Quando toda uma vivência diária é ditada por estes comportamentos, podemos estar perante um problema alimentar designado de Ingestão Compulsiva, no qual é comum estarem presentes:
- Pensamentos constantes e intrusivos acerca de comida e/ou comer;
- Sentimentos de vergonha, de poder ser observada nessas ingestões compulsivas;
- Isolamento na tentativa de esconder essas ingestões;
- Perda de controlo e inevitável comer excessivo;
- Mal-estar e cansaço físicos;
- Tendência para o aumento de peso;
- Baixa auto-estima;
- Culpabilização e sentimentos negativos face a si mesma;
- Isolamento social;
- Reduzida esperança na possibilidade de mudança;
Mas o que é a Ingestão Compulsiva?
“Ingestão Compulsiva”, “Crises de Voracidade Alimentar” ou “Binge Eating” sãos os termos mais utilizados quando esta perturbação é referida. Ela caracteriza-se por um comer excessivo e descontrolado de uma quantidade de alimentos, considerada exagerada pela maioria das pessoas, que só termina quando um intenso mal-estar ou exaustão física extrema são atingidos. A ingestão é feita aceleradamente e num curto período de tempo, onde os alimentos mais acessíveis e especialmente os de fácil deglutição são devorados quase sem serem mastigados. Contrariamente ao que acontece nos episódios de manjares sociais como os inicialmente referidos, a ingestão ocorre quase exclusivamente quando a pessoa está sozinha ou em locais mais isolados, onde não há possibilidade de se confrontar com os outros ou onde essa hipótese é muitíssimo reduzida. E se, os primeiros momentos podem ser agradáveis, sendo até possível saborear-se a comida, depressa se transformam em momentos de angústia ou até mesmo aversão, que se vão intensificando com o aumento do consumo alimentar.
Imagine que tudo começa consigo a pensar frequentemente em comida. À partida, não passa disso, mas depressa esse pensamentos se transformam em fortes desejos, e o impulso de comer espreita de perto. É aqui que cede, e começa mesmo a comer. De início sente um alívio, um grande conforto, que aos poucos se vai transformando numa sensação de êxtase, e, é ai que sabe que já não tem qualquer controlo sobre o que está a fazer. É comer e comer alucinadamente até mais não, até estar completamente a rebentar, e sentir-se terrivelmente maldisposta com isso.
Imagine que durante esse episódio consome três taças de cereais, dois pacotes de bolachas, mais três ou quatro pães, a metade do frango que estava no frigorífico e restava da última refeição, mais a última fatia do bolo de maçã de há dois dias, outros dois pães e ainda uma tablete de chocolate, e se restarem ainda algumas bolachas, não consegue deixar de as comer também. As náuseas começam a surgir, a má disposição instala-se, e imóvel, sem se conseguir mexer de tantas dores de estômago e barriga, é invadida por uma arrebatadora culpa, sentimentos de tristeza e fracasso e uma imensa raiva de si própria. Apesar de enfartada de comida, sente-se excessivamente vazia. Pois, acabou de experienciar um episódio de Ingestão Compulsiva.
Estes episódios tendem a ser desencadeados por alterações de humor, momentos de grande tensão e stress ou surgirem devido a problemas do quotidiano, cumprindo a comida uma função de apaziguamento e estabilização emocional. E, sendo ela capaz de proporcionar o conforto e quietação desejada naquele momento, sendo capaz de devolver, mesmo que por breves instantes, alguma tranquilidade, acaba por facilitar o estabelecimento de relações de dependência emocional, que se revelam extremamente difíceis de quebrar.
Nesta perturbação alimentar não se verificam quaisquer comportamentos compensatórios no sentido de impedir o ganho de peso, como a indução do vómito, a utilização de laxantes ou diuréticos, o uso de clisteres, a actividade física exagerada ou os períodos de jejum prolongados.
As dietas são as únicas que se evidenciam como possibilidade de resposta. E as mais rígidas, parecem ser as mais apelativas e frequentemente escolhidas numa tentativa de contrariar o descontrolo alimentar, mas também são aquelas que mais falhas desencadeiam, ao apresentarem objectivos tão exigentes. Quanto mais peso ganham, mais se esforçam por cumprir essas dietas, mas quanto mais se esforçam por cumpri-las, mais se vêem envolvidas em ingestões excessivas, instalando-se um ciclo que parece não ter fim.
A Ingestão Compulsiva surge tendencialmente no início da idade adulta e embora pareça ser a perturbação alimentar que menor diferença entre sexos regista, tal como acontece na Anorexia e na Bulimia, aponta para uma maior prevalência no sexo feminino.
O seu tratamento, como o de qualquer outra doença do comportamento alimentar, assume-se na maioria dos casos como um processo complexo e lento, que requer a intervenção de uma equipa multidisciplinar, permitindo o trabalho dos aspectos psicológicos, médicos e sociais presentes nestas perturbações.
No que respeita ao trabalho do Psicólogo destacam-se as seguintes intervenções, conduzidas em complementaridade:
Intervenção Psicoterapêutica Individual: Na qual a Terapia Cognitivo-Comportamental se assume como abordagem de base, embora outras abordagens e ferramentas terapêuticas possam, e devam, ser integradas. De destacar o trabalho de modificação de comportamentos alimentares, no sentido de estabelecer padrões alimentares saudáveis, e o de desenvolvimento de adequadas competências relacionais e de correcta gestão emocional;
Terapia de Grupo: Assume-se como um espaço privilegiado de partilha de experiências e de suporte interpessoal, num processo de construção participada, contentor e promotor de mudança;
Terapia Familiar: De destacar o trabalho dirigido na psicoeducação do problema, dando a conhecer à família a natureza, a evolução e a manifestação da doença, e ainda o de fornecimento de ferramentas de comunicação e de resolução de conflitos, que os irão ajudar ao longo de todo o tratamento.