por oficinadepsicologia, em 31.03.11
Autora: Madalena Lobo
Psicóloga Clínica
As nossas escolhas de futuros possíveis começam demasiado cedo para o conhecimento que temos de nós próprios e do mundo. Infelizmente as escolhas que vamos sendo chamados a fazer, desde as áreas específicas no secundário, até ao primeiro emprego, vão-nos restringindo a latitude das opções posteriores, afunilando progressivamente o âmbito de actuação a que poderemos aspirar, moldando um futuro profissional com o qual nem sempre descobrimos afinidades no momento de o viver quotidianamente.
Muitos adultos, por vezes, já bem lançados numa carreira profissional, demonstram dúvidas e desconfortos com a sua situação ocupacional, tão significativos para o seu bem-estar quanto o é a percentagem do tempo de vida passada a trabalhar. E, pensando numa re-orientação profissional, surgem impedimentos que terão de ser ultrapassados em primeiro lugar: as questões práticas de tempo e orçamento; depois, as crenças tacitamente aceites de que se presume estabilidade e linearidade de percurso na idade adulta, ao invés de diversidade de escolha e dispersão de interesses; finalmente, as dificuldades em concretizar, num horizonte temporal congruente com a impaciência adulta, opções que frequentemente exigem requalificação académica. E a insegurança… de não saber exactamente se o caminho é esse, com o peso da responsabilidade de quem já sabe que os retornos se vão tornando mais complicados à medida que a vida avança.
Aliado à insatisfação profissional que muitos vivenciam, existe o facto incontornável de se viverem dificuldades excepcionais, rodeadas do pessimismo da falta de horizontes. Mas, mesmo nas crises mais graves, escondem-se oportunidades e escrevem-se histórias de sucesso – talvez um pouco mais esforçadas e menos evidentes, mas ainda assim possíveis.
Se estiver a meio de um processo de insatisfação ocupacional, mais abrangente do que a mera insatisfação com um contexto laboral específico, talvez queira reflectir sobre algumas das questões abaixo:
- Porque não fazer uma avaliação vocacional? Habituámo-nos a pensar neste tema apenas para jovens na fase da escolha de áreas académicas e esquecemo-nos que os adultos também se podem socorrer de apoio específico neste âmbito.
- Aborde a questão da escolha do global para o particular, definindo primeiro aspectos globais que o definem como pessoa e se têm revelado imutáveis ao longo da vida. O que o move e comove habitualmente? O que “fala” consigo? Quais são e foram os seus sonhos mais genéricos relativamente a uma vida bem vivida? Que aspectos do conhecimento humano mais facilmente atraem a sua atenção? Que modelos profissionais é que costuma respeitar e admirar? Que biografias é que o deixam impressionado? Que pegada gostaria de deixar no mundo? Como se define como ser humano único?
- Assuma um pensamento lateral, criativo, para combater o tristemente tradicional: “Isso é muito difícil…” e que tende a significar “Isso é impossível”. Escolhida uma área de actuação evite pensar se lhe está ao alcance, preferindo pensar como é que poderá estruturar o que for preciso para conseguir lá chegar. E, para isso, a criatividade, um olhar diferente sobre os assuntos, será a sua melhor aliada.
- Separe “ideal” de “real”. É muito fácil cairmos no desejo de situações gloriosamente ideais, quando imaginamos um futuro – tanto mais, quanto maior o nosso nível de insatisfação actual, curiosamente. Isto acaba por nos fazer cair numa atitude de auto-sabotagem, na medida que nos cria um fosso inultrapassável entre o ponto onde estamos actualmente e aquele que ambicionamos, pelo que nunca chegamos a mobilizar os nossos recursos pessoais. Melhor será pensar realisticamente: o que seria exequível, face à vida, tempo e orçamento que temos? Se não puder ter o óptimo, como seria o bom? Ou como seria um primeiro passo que me coloque na direcção certa? Se a estação de destino fica a uns milhares de quilómetros, como serão as estações intermédias?
- Descomplique! A tradição já não é o que era… Talvez não seja preciso tirar esse curso de 5 anos antes de poder pensar em mudar – talvez existam qualificações académicas ou profissionais intermédias. Talvez não tenha que desempenhar essas funções exactamente como é habitual – talvez as possa “exportar” para outros sectores de actividade que lhe sejam conhecidos, ou executar apenas uma componente dessas funções. Ou, talvez… Na adolescência, podemos sonhar desenfreadamente; na idade adulta, por vezes, convém introduzir algum pragmatismo nos sonhos…
- Sempre que se sentir a fraquejar na sua determinação em encontrar soluções para a sua vida profissional, experimente um breve exercício:
- Retire 5 minutos para si e percorra mentalmente a sua vida até encontrar exemplos de força, auto-confiança, determinação ou qualquer outra qualidade que sinta ser necessária para combater a resignação a uma vida que não o satisfaz. Encontrado um exemplo da sua experiência pessoal, recorde-o tão vividamente quanto possível, reparando, à medida que o faz, nas emoções que vão surgindo e se vão intensificando. Quando sentir essa qualidade de que foi à procura no seu passado tão vívida e presente quanto possível, dê-lhe um nome e repita-o algumas vezes. Depois imagine-se a guardar essa qualidade, com o nome que lhe deu, numa parte qualquer do corpo que lhe faça sentido e que possa funcionar como um reservatório onde ir buscar essa qualidade sempre que necessário.
- Depois retome a sua busca por uma vida melhor!
- Se não estiver a conseguir encontrar soluções alternativas, experimente um outro exercício:
- Imagine-se a festejar o seu 85º aniversário e pense que está a estruturar um discurso para a família e amigos que o rodeiam, no qual gostaria de lhes enumerar as suas razões para estar contente com a vida que levou até aí – os aspectos mais importantes, os que lhe dão a sensação de plenitude e serenidade de uma vida bem vivida. Imagine que se levanta e vai iniciar o discurso – consegue ouvir-se a falar? De que lhes fala?
- Se estiver com dificuldades porque acha que o que resolveria a sua situação de insatisfação profissional é impossível, tente fazer ao contrário: assuma que já conseguiu chegar onde pretende; visualize muito claramente o tipo de vida que leva, o que faz, com quem, como, etc. Depois “ande para trás”, descodificando como fez para lá chegar.
Acima de tudo, faça o que fizer, lembre-se que tem o direito a viver uma vida gratificante e produtiva e que o preço da acomodação a realidades indesejadas é demasiado elevado para incorrermos nele sem motivos de peso. Qualquer momento e qualquer idade são bons para decisões de mudança, sejam pessoais ou de carreira, suaves ou radicais – se tiver de se arrepender de alguma coisa, que seja do que fez e não do que não fez!