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Autora: Inês Afonso Marques

Psicóloga Clínica

 

Inês Afonso Marques

O impacto que as experiências de trauma na infância podem ter na saúde mental do adulto é algo relativamente bem estudado e, globalmente, bem compreendido. Menos óbvio é o impacto que essas experiências precoces de trauma, como o abuso, a negligência, o alcoolismo dos pais, ou os padrões familiares disfuncionais, podem ter a saúde física do adulto.

 

Um estudo epidemiológico longitudinal, estudo ACE (Adverse Childhood Experiences) tem demonstrado a correlação surpreendente entre os maus-tratos na infância e as doenças na idade adulta e mesmo a morte prematura. A história do nascimento deste estudo epidemiológico é curiosa, tendo o mote para o seu surgimento ocorrido, quase por “acidente”, na sequência de um programa de controlo de peso, cujos resultados nalgumas mulheres suscitaram diversas questões.

 

Jan revelava óptimos resultados, tendo perdido uma enorme percentagem de peso ao longo de um ano de programa. De repente, algo surpreendeu os investigadores. No espaço de três semanas, Jan engordou cerca de 25% do peso que tinha perdido até àquele momento. Como seria possível encontrar, pela manhã, a cozinha completamente desarrumada, com pratos e talheres sujos, frascos e caixas de comida abertos? Não havendo explicação fisiológica, e morando ela sozinha, o que teria provocado estes ataques nocturnos de devoração, precisamente naquele momento de uma tão grande conquista na sua vida?

 

 

Jan referiu que um colega casado, mais velho, a havia congratulado pela sua nova aparência, magra e atraente, e havia sugerido que se começassem a encontrar várias vezes por semana. Esta situação terá começado, precisamente, há três semanas atrás. Ela não queria acreditar. As afirmações dele eram rudes e ele era, nas suas palavras, um idiota. Seria isto suficiente mau para fazer descarrilar o seu progresso em prol de uma vida mais saudável e equilibrada? Aos poucos, Jan revelou a história, por detrás da história. Em criança ela fora abusada, ao longo de vários anos, pelo seu avô e, desde então, a sua vida girava em não se permitir ser, novamente, sexualmente vulnerável. O peso estava a baixar depressa demais em relação aquilo que ela conseguia suportar. Os seus pilares de apoio estavam a desintegrar-se.

 

Uma outra mulher, que perdeu 68 Kg, em vez de se sentir entusiasmada, sentia-se arrasada com crises de ansiedade. Em criança era abusada por várias pessoas de sua casa, assim como pelo condutor do autocarro da escola. Aos 15 anos casou com um marido extremamente agressivo e divorciou-se, tendo-se casado mais tarde com um marido muito ciumento. Ao ganhar peso, percebeu que conseguia afastar a pressão - ele não sentia ciúmes quando ela estava gorda. Voltou a ganhar o seu peso e parecia mais calma, e mesmo contente, no seu casulo roliço.

Os directores do programa iniciaram uma exploração da história de vida de outros pacientes, cujo sucesso no programa parecia fazê-los sentir-se arruinados, tendo surgido alguns factos curiosos.

 

Nenhum dos pacientes era gordo em criança e, enquanto a maioria das pessoas com excesso de peso os ganhou devagar, ao longo dos anos, estes pacientes tinham ganho peso de forma abrupta, geralmente em resposta a um acontecimento de vida difícil. As entrevistas realizadas revelavam um padrão de abuso sexual na infância, trauma, suicídio na família, violência e outras relações familiares altamente disfuncionais. De facto, para estas pessoas, o consumo descontrolado de alimentos e a obesidade não eram os seus problemas centrais. A comida era um amigo de longa data, que os acarinhava e acalmava, uma vez que estando gordos se sentiam protegidos da hostilidade do mundo exterior. Quanto maiores estavam, mais invisíveis se sentiam – algo interessante para quem ser visto é frequentemente sinónimo de ser magoado…

 

Com base em:

Wylie, M. S. PSYCHOTHERAPY NETWORKER. As the twig is bent. Understanding the health implications of early life trauma. http://www.psychotherapynetworker.org

publicado às 09:50



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