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A Depressão no casal

por oficinadepsicologia, em 02.02.10

Autora: Inês Alexandre

Psicóloga Clínica

 

A depressão de um dos elementos de um casal pode ser avassaladora para uma relação. Os testemunhos são muitos, e, infelizmente, algumas vezes o final não é feliz. Mas existem formas de mudar este final, como o demonstram alguns casais sabedores, muitas vezes sem o saber…

 

Dados recentes indicam que, em Portugal, um quarto da população sofre de depressão, cerca de 2,5 milhões de pessoas. A depressão é definida como um conjunto de sintomas, que vão desde sintomas físicos como a perda ou aumento do apetite e do peso, insónia ou hipersónia, fadiga, etc, a sintomas mais subjectivos como a perda de interesse pelas actividades que antes davam prazer, sentimento de inutilidade ou culpa, sensação de tristeza profunda. Nenhuma depressão é igual de pessoa para pessoa. De um modo geral, a depressão é uma forma de olhar o mundo e a vida: o futuro deixa de existir, tudo é visto de uma forma desesperantemente negra. Quem por lá passa diz que ninguém que nunca tenha passado por isso compreenderá o desespero. No entanto, a informação, o amor e a capacidade de empatia permitem uma ajuda eficaz por parte dos outros.

 

A depressão pode surgir por vários factores. Algumas vezes é identificável o factor desencadeante -  situações de luto, desemprego, divórcio, casamento (o casamento é considerado uma das fontes de maior stress, e quando esse stress é mal gerido pode provocar fragilidades desencadeantes de depressão) - outras não. Seja como for, um conjunto de fragilidades reúne-se num determinado momento, sejam elas despoletadas por factores externos ou não, provocando sintomas causadores de um enorme sofrimento.

 

Quando num casal um dos elementos sofre de depressão, a reacção do outro é importantíssima, não só na recuperação da pessoa deprimida, mas também na evolução do casal de uma forma saudável. Somos seres em relação: com o nosso parceiro, com os nossos amigos, os nossos colegas, a nossa família. Numa perspectiva sistémica ou relacional, apesar de sintomas como os da depressão serem relatados pelo indivíduo, os problemas psicológicos estão nas relações, e não “dentro” dos indivíduos. Consoante o tipo de terapia, podemos centrar-nos mais no indivíduo, no que pensa e sente, ou num conjunto de indivíduos em relação (o casal, a família, os vizinhos, os colegas de trabalho). Em qualquer dos casos, é preciso não esquecer que todos somos em relação, e que tudo o que for trabalhado vai afectar a nossa relação com os outros.

 

Quando um casal vem à terapia porque um dos elementos está ou esteve deprimido e porque existem problemas no casal, a situação frequente é a do outro elemento estar presente para ajudar o “deprimido” a ficar bem. O elemento não deprimido poderá sentir-se impotente e culpado por não conseguir “curar” o seu amado. Esta situação agrava-se quando existe muito pouca informação sobre a depressão, e sobretudo sobre o que não se deve fazer e dizer a alguém deprimido. Muitas vezes o elemento deprimido é considerado preguiçoso, pessimista, sem força de vontade. O companheiro(a) sente-se, não só impotente, como também não entende porque é que o outro está assim, e se tornou agressivo e dependente ao mesmo tempo. A culpa por não ser o companheiro perfeito ou a indiferença são duas reacções habituais. Vão-se instalando padrões de interacção não saudáveis: as respostas não são as adequadas, a pessoa deprimida sente-se ainda mais culpada por não conseguir estar bem, o companheiro impotente e cansado. O elemento deprimido sente-se frágil e inseguro face ao outro, e muitas vezes o medo do abandono torna a situação ainda mais penosa.

 

E, muitas vezes, quando a crise passa e os sintomas de depressão desaparecem, a sensação é de que a tranquilidade voltou, mas de que algo mudou. E mudou. Depois de um período de crise, em que a relação também ela mudou, é preciso um novo ajuste às duas novas pessoas em que nos tornámos. Para que sintamos que apesar de diferentes, somos os mesmos.

 

A depressão de um dos elementos constitui, assim, uma crise para o próprio casal. Como crise, tem um elemento positivo – é um bom momento de produção de mudanças. Contudo, para que a mudança seja efectiva, os dois elementos têm de estar conscientes de que ambos se encontram num processo de crescimento, e de que os dois têm de encontrar novas formas de se relacionar. É um processo constante na vida de um casal, mas mais drástico e com mudanças mais profundas em alturas de crise. Se, pelo contrário, ficarem presos a padrões antigos de interacção, e a etiquetas e preconceitos formados anteriormente, que se prolongam no tempo, a sensação de frustração é inevitável. O elemento não deprimido não deve sentir a depressão e o desejo de mudança como um ataque, mas tentar compreender que, não sendo perfeito, pode tentar efectivamente mudar a sua relação com o outro, que também não é perfeito. O elemento que esteve deprimido não se deve sentir culpado, mas sim aproveitar para analisar o que está mal e recuperar a energia e a esperança na mudança. Raivas, mágoas e rancores podem acontecer, mas devem ser analisadas e transformadas, caso contrário é fácil cair numa espiral de ataques de parte a parte, sem que ninguém entenda porque está a ser atacado. Conflitos naturais do casal são transformados em situações onde a saída parece não existir. Ela existe, mas é difícil vê-la, porque se reporta muitas vezes a sentimentos e padrões de comunicação que se incrustam, como uma lapa na pedra.

 

As questões de poder são também importantes neste contexto. Se, enquanto se está deprimido, se assume inevitavelmente uma posição mais frágil e o outro de maior poder, ao sair da depressão muitas vezes os papéis invertem-se. Isto acontece na vida do casal todos os dias, saudavelmente e de uma forma equilibrada: umas vezes estão uns mais frágeis, outras vezes estão outros. Mas, normalmente, depois de passada uma depressão, ou o casal se reequilibra e recupera (ou ganha) este padrão saudável, ou dois padrões prejudiciais podem facilmente acontecer: passar a ser sempre um dos elementos com mais poder sobre o outro; haver sempre uma relação de simetria, em que os dois elementos estão continuamente a lutar pela sua posição, normalmente através de discussões em escalada e sem fim. Mais uma vez, para que isto não aconteça, falar sobre o que está a acontecer pode ser bom, no sentido de uma maior consciência da necessidade de uma mudança e da direcção desejada.

 

Para terminar, o papel dos psicólogos e terapeutas pode ser muito importante neste processo, introduzindo um novo olhar sobre o casal. Mas, mais importante, é preciso que os dois membros estejam de facto dispostos a lutar e a mudar com vista a uma relação melhor. E isso, ninguém pode fazer por eles.

 

 

publicado às 09:47


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