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O que nos diz a memória

por oficinadepsicologia, em 18.08.12

Autor: Pedro Diniz Rodrigues

Psicólogo Clínico

www.oficinadepsicologia.com

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Pedro Diniz Rodrigues

Poderemos dizer que a memória nos diz quem somos, dá-nos uma noção de continuidade, confere-nos uma identidade que nos integra e realiza. Ao recordarmos, revela-nos e oculta-nos parte da nossa história. Olha por nós, organizando-se e zelando pelo nosso equilíbrio interno. Garante esta gestão, condicionando e orientando toda a nossa experiência pessoal.

 

Gostaria de reflectir consigo por alguns momentos, sobre a natureza dessa influência e de como é sentido em nós o efeito desta componente psicológica tão importante.

 

É provável que no decorrer da sua vida já se tenha deparado com pensamentos como:

 

Sinto-me assim e não sei porquê. Eu sei que não tenho motivo…

 

Reajo sempre daquela forma e não percebo a razão. Eu sei que não faz sentido, mas… Não consigo deixar de sentir ou pensar aquilo.

 

Quando falo com aquela pessoa, fico desconfortável... Não percebo, eu não sou assim.

 

Quando estou nervoso, fico a pensar no que pode acontecer… Isto faz-me lembrar quando era mais novo e fiquei muito muito nervoso numa dada situação.

 

Que aspectos lhe parecem comuns aqui?

 

Posso sugerir alguns. Para além do possível desconforto associado às situações em que estas frases aparecem, está o desconhecimento da sua causa. Ou seja limitamo-nos a constatar o produto final, de algo que não percebemos como surgiu. É como se estivéssemos a dançar ao som de uma música, que não nos agrada particularmente e que nem sequer sabemos como começou a tocar.

 

Para compreendermos um pouco melhor sobre como se criam tais predisposições e a forma como exercem os seus efeitos na nossa pessoa, será útil estabelecer algumas relações entre a memória e outros aspectos da nossa experiência subjectiva.

 

Numa primeira análise, será importante considerar que a memória tende a ser concordante com o nosso estado de humor, ou seja escolhemos a informação da realidade ou vamos buscar selectivamente a informação que temos armazenada, quando esta é concordante com o estado de humor em que nos encontramos nessa altura.

 

Por exemplo, quando se sente feliz tenderá a seleccionar ou recuperar memórias, em que o seu conteúdo é efectivamente positivo (mais do que se for um material que tenha uma representação deprimente ou negativa). Aquilo que experienciamos é então melhor aprendido se o tom afectivo da informação a que temos acesso, está em harmonia com o que estamos a sentir naquele momento.

 

Outro aspecto importante a considerar, é que a memória pode ser dependente do estado de humor, ou seja, há uma elevada probabilidade de recordar material que foi aprendido num determinado estado de humor, quando voltamos a estar num outro momento, num estado de humor semelhante.

 

Simplificando, se ouvir uma história ou viver um episódio da sua vida enquanto se estava a sentir triste ou deprimido, essa história ou acontecimento terá mais probabilidade de ser recordada quando se encontra novamente num estado de humor idêntico aquele em que tinha quando viveu essa situação.

 

O que a investigação nos diz é que este fenómeno varia em função da natureza do material memorizado, sendo mais consistente quando o tipo de conteúdo memorizado é auto-referente, ou seja, quando tem mais implicações na nossa pessoa, ou se preferirmos, quando é emocionalmente mais significativo.

 

Isto leva-nos a reflectir sobre a forma como a nossa memória se organiza. Será importante ter em conta que as memórias de acontecimentos emocionalmente intensos são retidas de forma diferente das memórias de acontecimentos tidos como neutros. Uma vez que as primeiras têm maiores implicações no equilíbrio psicológico e na capacidade de mantermos a integridade da nossa estrutura interna, tal informação fica portanto codificada no nosso cérebro de formas mais complexas, com ligações mais densas. É no entanto curioso pensar, que as memórias que mais nos influenciam, são aquelas que temos mais dificuldade em aceder.

 

Se um determinado acontecimento das nossas vidas, desencadeia emoções extremas, ou se somos expostos a uma situação traumática intensa e repetida, tendemos a desenvolver vários tipos de reacções defensivas que vão desde a simples negação da realidade vivida até aquilo que chamamos de amnésia psicogénica.

 

Existe nestes casos, uma quantidade abundante de informação significativa que não estará acessível à consciência sem a ajuda de pistas contextuais adequadas. A nossa emoção, que embora possa inibir o processamento de detalhes que são irrelevantes ou secundários à situação que desencadeou a nossa resposta emocional, é responsável por revestir a memória de características centrais ou essenciais dos eventos traumáticos.

 

Enquanto aspectos factualmente neutros da nossa memória, requerem um processamento mais intencional no nível da recordação explícita, aspectos emocionais fortemente associados a detalhes perceptivos e sensoriais (audição, visão, olfacto, e outros) evocados na altura do acontecimento, são mais difíceis de serem recuperados com tentativas explícitas. Tais eventos são mais acessíveis sob condições de recordação implícita.

 

Resumindo, a nossa dificuldade em recordar eventos emocionais significativos, consiste parcialmente no acesso insuficiente à informação sobre a situação, armazenada a um nível explícito (ou consciente) da memória.

 

Esta aparente diferença na organização das nossas memórias, mas ao mesmo tempo interligada, dá assim origem ao fenómeno da dissociação da memória, ou seja, em que a emoção que esteve associada ao evento que a desencadeou, volta a ser experienciada na ausência desse evento. Esta dissociação de memória, pode-se também evidenciar de maneira oposta, quando recordamos a informação da situação, mas não conseguimos aceder ao impacto emocional que essa situação teve em nós. É uma memória sem emoção aparente.

 

Poderá perguntar-se sobre qual a utilidade de recuperar o que não nós é naturalmente acessível na nossa mente consciente? Porquê remexer em algo que a nossa memória não nos quer mostrar?

 

A possibilidade de ter acesso a tal movimento interno de procura, ajuda-nos a perceber a causa da nossa predisposição para agirmos num padrão que não nos satisfaz, de passarmos a ter a possibilidade de quebrar esse padrão, refinando-o e aprimorando a forma como ele se manifesta, tornando-o mais adaptativo e satisfatório.

publicado às 10:55


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