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Este consultório da Oficina de Psicologia tem por objectivo apoiá-lo(a) nas suas questões sobre saúde mental, da forma mais directa possível. Coloque-nos as suas dúvidas e questões sobre aquilo que se passa consigo.
Autor: Pedro Diniz Rodrigues
Psicólogo Clínico
Para muitos de nós, existem momentos na vida em que a possibilidade de convivência com o sofrimento não é uma tarefa que seja possível de ser considerada.
Nestas alturas, a ferida interna é demasiado grande para que consigamos encará-la diretamente. Por muito que nos esforcemos para a ignorar, ela parece arranjar formas alternativas de nos dizer que está presente, continuando indefinidamente a condicionar a qualidade da nossa experiência de vida.
Damos por nós a cair no paradoxo de nos protegermos deste desconforto interno, adoptando estratégias que embora nos dêem um alívio imediato, têm o efeito secundário de assegurar a manutenção desse desconforto.
O trabalho psicoterapêutico (individual ou de grupo), permite estar numa atmosfera emocionalmente protegida, que nos ajuda a sentir segurança suficiente, para que possamos encarar com menor receio a causa da nossa dor, observando com maior clareza os seus contornos e podendo assim compreender melhor a forma como nos está a condicionar.
É difícil lidar com o que vemos. A falta de sentido que aqui emerge e que assenta na ambivalência e nas contradições entre os nossos pensamentos, emoções e sentimentos, coloca em causa a nossa identidade e abala a nossa auto-estima.
Os nossos valores que sempre nos asseguraram o desejado sentido de identidade e que nos disseram como viver, dizem-nos também para ignorar esta outra parte de nós que agora se manifesta de forma dolorosamente evidente e que nos dá a entender que não estamos a seguir pelo melhor caminho.
Entramos numa fase de convivência indesejada, mas aparentemente necessária com esta ferida simbólica, o que acaba por nos dar acesso ao motivo associado com o seu aparecimento, dando aso a que, posteriormente, lhe possa ser dado um significado.
Ou seja, a fonte da nossa depressão, fobia, culpa, ou vazio existencial, passa a ter agora uma explicação que, dentro de nós, sabemos que faz sentido. Torna-se importante aqui, perceber o que impede a natural expressão desta voz menos conhecida, que até aqui reivindicava a sua existência sem percebermos porquê.
Entramos numa fase de responsabilização de nós mesmos pela manutenção do nosso sofrimento, a qual ocorre à medida que vamos ganhando consciência do que estamos a fazer para manter situação dolorosa e do motivo pelo qual ainda precisamos fazê-lo.
Simplificando, a lacuna entre a causa do sofrimento e o seu produto final, que se traduzia na dor emocional que sentíamos, desaparece progressivamente, passando a ser mais claro para nós o que estava a manter o sintoma de desconforto.
Este é um momento emocionalmente significativo, uma vez que é conquistada a liberdade de escolha, que permite abandonar a pouco e pouco os nossos velhos padrões desadaptativos. Aplicando esta lógica às várias fontes de dor subjectiva que possamos sentir, pretende-se que ao longo da nossa vida, nos permitamos a ter contacto com uma variedade de experiências negativas que até aqui evitávamos, estando mais permeáveis à sua influência, mas também mais resistentes ao seu potencial impacto negativo. Aceitamo-las melhor, olhando-as agora enquanto algo que tem um significado e uma função importante no sentido de nos manterem psicologicamente saudáveis.
Autora: Fabiana Andrade
Psicóloga Clínica
Na época do secundário tive a sorte de ter um professor de filosofia que me inspirou para sempre. Na altura, muitos dos conceitos trazidos por ele não foram imediatamente absorvidos por mim, mas foram suficientemente marcantes para que eu continuasse a pensar sobre eles anos mais tarde, até que seus significados ficassem claros.
Uma vez chegou à aula e colocou sobre a mesa duas laranjas. Uma madura, linda, redonda, e a outra cheia de bolor, com as naturais irregularidades de uma laranja que passou o prazo de ser consumida. Olhou para nós e perguntou: Qual dessas laranjas é perfeita para vocês?
Olhamos e respondemos: a madura!
E ele, com seu olhar sempre inquieto e desafiador, disse, “as duas!”.
Disse, “se pensarmos na essência das coisas, antes de as julgarmos, vamos perceber que muitas das nossas ideias de perfeição são desconstruídas. A laranja madura é perfeita enquanto laranja madura, que está nessa fase da sua existência, pronta para ser consumida. A segunda, é perfeita também, se pensarmos na essência do que é ser uma laranja podre, ou seja, uma laranja que está nessa fase da sua existência, e que não foi consumida antes”. Tudo depende daquilo que esperarmos desse mesmo tudo.
Todos os dias recebo clientes com ideias construídas de perfeição, por exemplo, a Marina que tem 25 anos e está ansiosa pois não se sente realizada no trabalho onde está, o Carlos, que está ansioso pois está muito insatisfeito com a sua relação, esperava que após 6 meses de namoro as coisas estivessem mais estáveis, ou a Rebeca que terminou seu casamento de 17 anos e esperava que passados 6 meses do divórcio ela estivesse mais feliz.
Estes são bons exemplos de pessoas que não são capazes de olhar para a situação ou fase em que estão e antes de fazerem um julgamento, questionarem, qual é a essência dessa fase?
No caso da Marina, que está no 1º emprego da sua vida, que tem 25 anos, a essência dessa fase profissional não é a estabilidade e sim a construção. Ela está na “laranja podre”. Olhando para a fase como aquilo que ela é realmente, uma fase de investimento, pouco retorno, aprendizagem, etc, podemos aceitá-la como sendo uma “laranja podre” e assim, tirarmos o proveito dessa situação em vez de ficarmos ansiosos a desejar que ela seja algo que não é, uma “laranja madura”.
O Carlos, gostaria que a sua relação fosse mais estável, sente que está em constante ajuste com a namorada e descreve a sua relação como sendo “de altos e baixos”. Gosta da namorada e não quer desistir, ao mesmo tempo que deseja que essa fase seja diferente. Ao analisarmos a essência de 6 meses de namoro com a sua namorada, observamos que é uma fase onde realmente os ajustes são necessários, onde se estão a conhecer, a perceber seus projetos, seus limites. Isso cria por vezes alguma instabilidade. Ao deixar de desejar que a sua relação seja nesse momento aquilo que não é, Carlos foi capaz de retirar da instabilidade de relação, a informação necessária para a construir mais forte e bem estruturada.
A Rebeca chega ao consultório muito triste e com algumas crises de pânico. Afirma que não entende o que se passa com ela, visto que “já me separei há 6 meses!”. Pergunto se ela considera que 6 meses é muito tempo e ela me diz que sim! Quando analisamos a essência de 6 meses de separação, após um casamento de 17 anos, Rebeca percebeu que essa fase é caracterizada por períodos de profunda tristeza, outros de leveza e alívio, por vários tipos de pensamentos e por uma sensação de perda. Também se sente instável e com altos e baixos emocionais. Essa é a sua “laranja podre”. Ao parar de tentar que essa fase seja o que não é, Rebeca sente-se mais leve e menos ansiosa, sem ataques de pânico.
Temos a tendência a julgarmos e a querermos terminar e afastar emoções que doem, pensamentos que são duros, e quando o fazemos, estamos a desrespeitar a essência de determinadas fases caracterizadas por essas emoções e pensamentos. Eles podem ser duros ou dolorosos, mas na maioria das vezes não são maus e trazem informações valiosas para nós.
Aceitar a essência das situações, das emoções, faz-nos mais livres, menos ansiosos e por consequência, mais capazes de tirar a informação e o proveito dessas mesmas situações e emoções.
Comece então por fazer uma lista de situações que o angustiam e depois questione-se sobre a sua essência. Perceba se grande parte da angústia não virá exatamente do facto de não estar a aceitar que a situação seja o que é.
Muitos clientes perguntam, mas se eu aceitar, isso não me fará passivo perante a situação?
Ao contrário. A aceitação é feita no presente, liberta-nos da ansiedade e dá-nos maior consciência e clareza, por consequência, maior espaço e liberdade para deixar a situação fluir e para resolvê-la com mais sucesso.
Autora: Joana Fojo Ferreira
Psicóloga Clínica
Go to the heart of danger for there you will find safety
[Vai ao coração/âmago do perigo, lá encontrarás segurança]
Provérbio Chinês
A experiência de desenvolver um problema psicológico como ataques de pânico, ansiedade generalizada, depressão,… é frequentemente avassaladora. Por um lado há a sensação de perda de controlo de si, por outro lado os sintomas parecem ser desprovidos de sentido e há uma incompreensão muito grande de si próprio, e muitas vezes vem a vergonha e a culpa, vergonha da vulnerabilidade que os sintomas revelam e culpa por não ter sido capaz de evitar estas manifestações e por continuar sem as perceber.
Se prolongado no tempo, especialmente para problemas do foro da ansiedade, além da exacerbação dos sintomas iniciais, tendem a surgir novos, mais obsessivos e compulsivos, mais distantes da raiz do problema, e a incompreensão de si próprio é cada vez maior.
Muitas vezes não há de facto um sentido directo e claro para a sintomatologia, o que ela faz é sinalizar uma vulnerabilidade, como um despertador com alarme em crescendo, que se não é desligado ao início vai tocando com um volume cada vez mais alto até ser ouvido e atendido.
A mensagem dos sintomas é “go to the heart of danger, [vai ao âmago do perigo], não fujas, olha, procura, percebe; para te libertares”.
O despertador/sintoma é só um sinalizador que vai tocando mais forte à medida que a insegurança aumenta, que o medo aumenta, sempre a pedir “não fujas, olha, fica”.
Tomarmos consciência das nossas vulnerabilidades, dos pontos em que somos particularmente sensíveis, assusta, mexe com o nosso medo do descontrolo, da falta de poder sobre nós próprios, sem percebermos que tanto menos poder temos quanto mais ignoramos/negamos as nossas vulnerabilidades; quanto mais eu as conheço, compreendo e aceito, mais controlo tenho na realidade, porque mais sei com o que posso contar e posso mobilizar recursos para reparar ou apaziguar o problema de base, a essência.
Este é o trabalho que procuramos fazer em psicoterapia, traduzir sintomas (sinais, despertadores) em vulnerabilidades, em necessidades por satisfazer, em assuntos inacabados a processar e resolver, porque por doloroso que seja tomar consciência de aspectos sensíveis de nós, da nossa história, e percebermos as implicações que eles têm na nossa vida, no nosso funcionamento, é um trabalho fulcral, é o desligar o despertador e levantar da cama, é o retomar as rédeas, o controlo, é mobilizar para resolver.
Autora: Filipa Jardim Silva
Psicóloga Clínica
Quantas vezes demos por nós num enevoado de dias uns a seguir aos outros, em que se perde a noção do tempo, em que o corpo mexe-se por si mesmo, em que o paladar se fica pelos rótulos das embalagens? Muitas vezes o ritmo dos dias, a pressão dos “devos”, a intolerância dos “tenhos”, a insegurança dos “não consigo” faz-nos entrar numa espécie de piloto automático, em que nos enchemos de tudo que depressa fica em nada, quase como que se nos anestesiássemos e deambulássemos por semanas e meses entre compromissos, espaços e pessoas mas sem tempo para sentir. O tabaco é um escape, a comida é um substituto, o ansiolítico é uma pausa, o isolamento é um silêncio. Andamos com um pacote de críticas e desculpas no bolso para fácil acesso, uma tesoura numa mão a recortar o tempo em fragmentos e um lápis preto na outra a sublinhar o que não corre bem, o que está por fazer, o que foi mal feito, o que não temos.
E de repente, subitamente ou de forma algo prevista, paramos ou somos forçados a parar, sustemos o ar, olhamos para dentro de nós e à nossa volta e não sabemos bem onde estamos nem como aí chegámos. Predomina uma sensação de atordoamento a par de uma tentativa de encadear um conjunto de acontecimentos, à procura do sentido lógico que nos levou ali, das supostas razões tão justificativas de tudo, das perguntas encaixotadas e agora desembrulhadas, uma a seguir à outra, na expectativa de resposta. O ar brota como se tivéssemos estado a suster a respiração durante muito tempo, e agora inspirássemos pela primeira vez, profundamente.
E naquele instante sabemos que não será mais possível voltar a viver da mesma maneira. Sentimos a urgência de acordar o corpo e experienciar na pele tudo o que nos rodeia, encher cada palavra de sentido, escolher cada pessoa com intenção, degustar cada alimento à procura da descrição perfeita da mistura de sabores e texturas. Olhamos para o relógio e lembramo-nos do seu peso, sabemos que este tempo de lucidez pode ser curto se não nos mantivermos acordados e conscientes de que não queremos mais voltar a ser zombies nas nossas vidas. Acesso de lucidez, clarividência, insight… muitas serão as designações disponíveis para apelidarmos aquele momento em que o tempo se congela, o ruído se afasta, os outros se calam e ouvimo-nos, pura e simplesmente, ouvimo-nos.
Uma segunda oportunidade de quase renascermos. Depois de nos sentirmos não quereremos voltar a nos anestesiar, seja com o que for, de que forma for. Antecipamos a força da tentação do automatismo das acções, da repetição de palavras habituais e de padrões conhecidos. Mas se nos empenharmos em fomentar esta atitude de observadores de nós de forma plena e consciente, numa postura de aceitação e sem julgamento, conseguiremos nos sintonizar cada vez mais com o que realmente somos e não com o que achávamos que eramos, conseguiremos nos focar no que queremos de verdade e não no que já tínhamos decidido que era bom, conseguiremos nos permitir sentir quem é especial e não quem é indicado.
Agarrar a vida com as duas mãos às vezes pode implicar saltar rumo ao desconhecido, deixarmo-nos ir confiando em nós, sentindo a mudança de ventos em tempo real. No momento do embate inicial o corpo pode doer, a visão pode não devolver o que esperávamos, a mente pode acusar confusão mas o prazer de sentir o mundo com lucidez e agarrar com firmeza no leme das nossas vidas compensará. Salte!
Autor: António Norton
Psicólogo Clínico
Gostaria de falar sobre o papel que as emoções desempenham no exercício de qualquer profissão de ajuda.
Muitas pessoas têm profissões de ajuda como a enfermagem, a psicologia, a medicina, aulixiares de acção médica, técnico superior de saúde, assistente social, técnico de integração social, etc
Qualquer pessoa que escolha este percurso profissional, tem naturalmente a vontade de ajudar, de ser útil, de dar o devido apoio a quem precisa.
Ao inicio, é natural surgir alguma ansiedade própria da inexperiência, do amadorismo e da insegurança de dar os primeiros passos, mas, à medida que o tempo passa essa ansiedade dá lugar à certeza e ao conforto, a uma sensação de mestria face à profissão que se desempenha.
Ou seja, normalmente, esta ansiedade é passageira, transitória, e apenas tem a função de nos relembrar da nossa inexperiência e da necessidade de estar muito atento a eventuais erros que se possam cometer.
As pessoas que os profissionais de saúde recebem e ajudam, à partida não conduzirão ao aparecimento de emoções que perturbem o desempenho equilibrado e regulado da profissão em questão.
Mas existem casos em que a situação não apresenta esta linearidade, equilíbrio e previsibilidade. Quando existem laços emocionais entre o profissional de ajuda e a pessoa a quem vai ajudar, tudo poderá tornar-se muito mais complicado.
Vou procurar ser um pouco mais explícito, e, para tal, vou servir-me de um exemplo fictício. Sublinho o seu carácter de fictício.
Vamos imaginar um médico, um reputado cirugião, daqueles de topo, especialista entre os especialistas, mestre da sua arte de operar. Vamos agora imaginar que este médico recebe como paciente o seu pai que sempre amou e respeitou. O seu pai precisa urgentemente de ser submetido a uma operação de elevado nível de rigor, precisão e saber. Vamos então imaginar que o cirurgião se disponibiliza para ajudar este paciente que é nada mais nada menos que o seu próprio pai.
Esta é a grande oportunidade de este médico provar ao seu pai – pessoa que sempre duvidou do filho e da sua mestria – que está enganado. A operação começa e o cirurgião procura ser exemplar, mas passado cerca de uma hora uma estranha ansiedade apodera-se deste experiente homem e provoca um tremer contínuo das suas mãos que acaba por inviabilizar o tão aguardado sucesso da operação.
Como resultado o pai acaba por falecer. O cirurgião sente-se absolutamente culpado, passa a ter ataques de pânico, e acaba com um esgotamento nervoso que o conduz à Psicoterapia.
Eu utlizei este exemplo extremo do médico, mas verdadeiramente podemos encontrar esta sobreposição de papeis entre o papel profissional e o papel relacional, seja o de filho, filha, pai, mãe, e.etc. em várias situações profissionais da vida.
Eu quero alertar para a perigosidade e a delicadeza de tais situações.
A profissão de cuidador será desempenhada de uma forma equilibrada quando a única relação que estabelecemos com a pessoa a quem damos o nosso contributo é estritamente profissional.
Quando existem laços entre um cuidador e um paciente que não passam apenas e só pelo vínculo profissional, então as nossas emoções podem, realmente, pregar partidas, que poderão ter mais ou menos gravidade, e maior ou menor impacto. O exemplo que eu dei é um extremo, mas não é mera ficção, pode mesmo acontecer!
Em qualquer segundo da nossa vida além de respirarmos, estamos a sentir emoções, sejam elas mais ou menos intensas.
Quando estamos com qualquer pessoa estamos sempre a sentir emoções. Se temos uma forte ligação emocional com esta pessoa, então a nossa intensidade emocional será mais vincada e presente.
Se existem emoções não resolvidas de zanga, tristeza, raiva, revolta, ódio, rancor, vergonha, culpa para com alguém e se esse alguém é o sujeito da nossa intervenção profissional então é natural e até algo previsível que estas emoções atrapalhem e condicionem todo o desempenho profissional.
É natural que este médico cirurgião sinta culpa pela morte do seu pai, mas mais importante ainda é perceber que a situação a que foi sujeito tinha um alto grau de condicionamento emocional e que existiam várias emoções que estavam claramente por resolver ( convém, por exemplo, não esquecer que este pai não acreditava no seu filho) o que, naturalmente impediu o desempenho exemplar que este médico havia previsto.
Nunca se esqueça que as emoções são algo que o vai acompanhar toda a sua vida e quando as emoções não são devidamente resolvidas, trabalhadas, processadas então elas terão um papel na relação que vai estabelecer com as pessoas com quem directa ou indirectamente experimentou estas emoções.
Vale a pena pensar nisto!
Autora: Vanessa Damásio
Psicóloga Clínica
Observo que procuramos constantemente um ponto fixo, um ponto de equilíbrio, algo que nos mantenha seguros, no meio de um mundo repleto de mudanças, transformações, ou melhor, transições. Tal significa que realizamos passagens de um estado, forma ou local para outro distinto e não obrigatoriamente pior ou melhor. Dão-se constantes transições a todos os níveis da nossa vida, e inclusivamente, se repararmos bem, nem no próprio universo temos um domicílio fixo: o planeta terra viaja pelo espaço a vários quilómetros por segundo, mudando a sua posição de segundo a segundo, sendo que num segundo estamos ali, e noutro acolá, sem sequer termos consciência disso! As estações do ano seguem-se umas às outras de forma cíclica: Primavera, Verão, Outono e Inverno; e até a o estado da água pode passar por diferentes transformações segundo a temperatura e pressão do contexto, passando de líquido a sólido ou gasoso e vice-versa.
Mas uma das transições mais difíceis de aceitar será quiçá a das etapas do ciclo da vida. Passamos a vida a tentar encontrar a estabilidade nas famílias e relações, na carreira, na localização e até no universo, e muitas vezes não conseguimos digerir as passagens da idade e do tempo, principalmente a nível pessoal e familiar. A nível pessoal é de destacar o quão por vezes é difícil passar da fase infantil à adolescência e desta à fase adulta. Em cada nova fase temos que nos readaptar, transformar e reconstruir, passando por metamorfoses como se de borboletas nos tratássemos.
A nível familiar e relacional verificam-se diversos eventos naturais que, necessariamente provocam mudanças na organização do sistema familiar, que podem ser previsíveis, como por exemplo o casamento, ou imprevisíveis e que alteram o tempo e as funções da família, de forma a modificar o ciclo vital, como por exemplo a morte precoce ou a gravidez na adolescência.
A cada transição de fase do ciclo vital, a família deve enfrentar uma situação nova, que põe em cheque as antigas modalidades de funcionamento, necessitando uma nova ordem familiar.
Cada transição pressupõe assim uma certa forma de crise, mais ou menos intensa para cada indivíduo e sistema familiar em que se encontra. O problema está precisamente quando o indivíduo e suas relações não se conseguem adaptar às crises e mudanças, e quando a razão e a realidade se misturam com emoções negativas e frustrações permanentes.
Onde está o nosso ponto fixo, um “porto seguro” e reconfortante, no meio deste universo de transformação constante?
Quero acreditar que a resposta reside na capacidade que dispomos para olhar para o nosso interior, para a nossa mente e mentes que nos rodeiam, e se necessário pedir ajuda a uma relação que nos dê amor, valor e carinho, a um amigo ou familiar, ou quiçá a um psicólogo! Porque a psicologia é para todos e poderá ser esse mesmo ponto fixo que nos ajuda a superar uma transição que nos bloqueia o crescimento.
Autora: Cristiana Pereira
Psicóloga Clínica
Como assim depressão e férias!? À primeira vista são duas palavras que não se relacionam! Quem nunca passou pela experiência de quase ter um ataque só de lembrar que as férias acabaram e vai começar tudo de novo?
O mal-estar e o desânimo aparecem quando a data de regresso ao trabalho se aproxima. Podem surgir insónias, ansiedade, tristeza e irritabilidade e os sintomas depressivos ocorrem.
A depressão pós férias não é mais do que uma depressão reactiva a um acontecimento desagradável. Voltar ao ritmo de trabalho é uma tarefa difícil para o nosso organismo, assim como desabituar-nos das obrigações laborais e do ritmo profissional acelerado.
É natural que, no início das férias, algumas pessoas experimentem nos primeiros dias sensações de ansiedade e angústia pela mudança de ritmo. O nosso cérebro e o nosso corpo precisam de tempo para adoptar outro ritmo de vida. O não ter horas para se levantar, as refeições em horários diferentes, o não sentir a pressão do telefone ou do chefe, são factores que levam algum tempo a serem interiorizados.
Da mesma forma, voltar ao ritmo de trabalho pode tornar-se angustiante nos primeiros dias ou, para alguns, esta angústia surge uns dias antes por antecipação daquilo que o espera, ou seja, a mudança de ritmo novamente.
Para que o regresso ao trabalho não seja algo tão penoso, deixo-lhe algumas estratégias para amenizar o regresso ao trabalho:
O regresso ao trabalho sem qualquer preparação pode causar uma extrema produção de cortisol (hormona do stresse), mudanças na taxa glicémica, alterações de pressão, tensão muscular, problemas digestivos, taquicardia e até desencadear um processo de depressão. Quando os sintomas se recusam a ir embora, então é porque algo não está bem. Podem persistir os sintomas de cansaço, insónia, irritabilidade, angústia ou tristeza e, nesta altura, é recomendado perceber junto de um profissional qual o problema.
E-mail recebido
Sinto-me tão desiludido com a minha vida, tão desmotivado, tão "desesperançado" que não sei onde fui buscar a ousadia de escrever estas palavras e enviá-las para um desconhecido...
Uma parte de mim diz-me que isto é inútil, que isto é bem capaz de ser interpretado como um inútil "grito por ajuda" e não uma tentativa de esclarecer uma dúvida, mas... aqui vai a minha questão:
Após alguns anos de terapia e de algumas desistências, foi-me diagnosticado um distúrbio de personalidade evitante. Algo que começou com uma "simples falta de aptidões sociais" passou a "distemia" depois foi "fobia social" e agora é a minha própria personalidade que está "danificada" (é uma perspectiva assustadora)... por razões que não vou referir aqui, desisti, mais uma vez, da terapia que andava a fazer (ou a tentar fazer) e agora sinto que não tenho forças para voltar a tentar novamente. Sinto-me sozinho nesta luta... já li bastante acerca de distúrbios da personalidade mas não encontrei nada acerca de possíveis formas de lidar com um problema destes sem envolver psicólogos e/ou psiquiatras. Por isso aqui estou a perguntar-lhe se a psicoterapia é a única abordagem capaz de ajudar-me a "reparar" (ou pelo menos "remendar") a minha personalidade?
Autora: Ana Beirão
Psicóloga Clínica
No passado convivíamos mais com os animais, numa relação mais estreita. A sua presença foi fundamental para situar o homem e suas aspirações em quase todas as culturas, em diferentes épocas e continentes (Dotti, 2005). Acreditava-se que os animais possuíam poderes, eram retratados como seres poderosos, indicando transmutação, protecção, sentimentos básicos humanos e uma certa evolução espiritual. A mudança da perceção pública só começou por volta do século dezassete, na era do conhecimento. Mais tarde surge a noção de que o animal poderia ter uma função socializadora, principalmente com crianças, dando-lhes sentido de responsabilidade e a possibilidade de desenvolverem sentimentos meigos. A compaixão e a preocupação pelo bem-estar dos animais tornou-se um dos temas favoritos e didáticos da literatura infantil, com o propósito de inculcar a ética da bondade e gentileza nas crianças. Posteriormente, começaram a ser aplicadas as teorias relacionadas com a influência da socialização do animal de companhia nos tratamentos de doentes mentais. Os efeitos benéficos do animal de companhia, como ferramenta terapêutica no tratamento da dor, começaram a ser reconhecidos no decorrer do século dezanove. No entanto, e devido ao desenvolvimento da medicina científica, esta ideia foi colocada de parte. Só novamente por volta dos anos sessenta e setenta do século vinte com Boris Levinson, é que o valor do animal como auxiliar do processo de terapia voltava a ter lugar, documentando os efeitos que ajudava a desenvolver na relação entre terapeuta e paciente e no aumento da motivação do paciente.
Os animais hoje em dia preenchem uma série de funções na vida das pessoas. O cão, por exemplo, passa a não ter apenas um papel utilitário, mas também um papel social. As necessidades humanas vão variando e com elas nota-se uma crescente mudança nos relacionamentos com os animais de companhia. Alguns autores afirmam que actuam como confidentes sem risco de traição. Além dos benefícios emocionais, que advém da relação dono e animal, ainda podemos verificar uma melhoria da saúde física e mental. Outros autores mencionam que os animais apresentam ao homem, oportunidades diferentes como: apreciar a natureza e a vida selvagem, inspiração e aprendizagem, a brincadeira, o altruísmo, o companheirismo e a criação de laços com outros homens.
Levinson foi quem primeiro designou a terapia animal, ao dar valor ao animal como um auxiliar ao processo terapêutico, e que agora é conhecido como terapia assistida por animais. O programa estabelecido é dirigido e avaliado por um profissional de saúde ou de educação, havendo objectivos específicos sejam eles físicos, motivacionais, educacionais e mentais. As teorias que referem os mecanismos responsáveis pelos benefícios terapêuticos, tendem a centrar-se na noção de que os animais possuem características únicas que contribuem e facilitam a terapia, e a ideia do desenvolvimento de uma relação profissional com o animal pode levar a desenvolvimentos cognitivos e comportamentais positivos, através de uma aquisição de novos dotes e a aceitação de uma responsabilidade e acção pessoal.
A Terapia Assistida por Animais é feita por profissionais com objectivos específicos de acordo com a problemática, podendo ser trabalhada com o mais diverso tipo de animais. Mas mesmo em casa é possível observar o efeito que o nosso animal de companhia tem em nós e nos outros. Quando o vamos passear provoca a sociabilização com as outras pessoas, ou quando lhe fazemos uma festa os níveis de ansiedade baixam e sentimo-nos mais relaxados(as), aceita-nos tal como somos, fica sempre contente por nos ver e não julga o que fizemos ou deixamos de fazer. São apenas alguns exemplos.
O que é que o seu animal de estimação já fez por si?
Autor: Pedro Diniz Rodrigues
Psicólogo Clínico
Poderemos dizer que a memória nos diz quem somos, dá-nos uma noção de continuidade, confere-nos uma identidade que nos integra e realiza. Ao recordarmos, revela-nos e oculta-nos parte da nossa história. Olha por nós, organizando-se e zelando pelo nosso equilíbrio interno. Garante esta gestão, condicionando e orientando toda a nossa experiência pessoal.
Gostaria de reflectir consigo por alguns momentos, sobre a natureza dessa influência e de como é sentido em nós o efeito desta componente psicológica tão importante.
É provável que no decorrer da sua vida já se tenha deparado com pensamentos como:
Sinto-me assim e não sei porquê. Eu sei que não tenho motivo…
Reajo sempre daquela forma e não percebo a razão. Eu sei que não faz sentido, mas… Não consigo deixar de sentir ou pensar aquilo.
Quando falo com aquela pessoa, fico desconfortável... Não percebo, eu não sou assim.
Quando estou nervoso, fico a pensar no que pode acontecer… Isto faz-me lembrar quando era mais novo e fiquei muito muito nervoso numa dada situação.
Que aspectos lhe parecem comuns aqui?
Posso sugerir alguns. Para além do possível desconforto associado às situações em que estas frases aparecem, está o desconhecimento da sua causa. Ou seja limitamo-nos a constatar o produto final, de algo que não percebemos como surgiu. É como se estivéssemos a dançar ao som de uma música, que não nos agrada particularmente e que nem sequer sabemos como começou a tocar.
Para compreendermos um pouco melhor sobre como se criam tais predisposições e a forma como exercem os seus efeitos na nossa pessoa, será útil estabelecer algumas relações entre a memória e outros aspectos da nossa experiência subjectiva.
Numa primeira análise, será importante considerar que a memória tende a ser concordante com o nosso estado de humor, ou seja escolhemos a informação da realidade ou vamos buscar selectivamente a informação que temos armazenada, quando esta é concordante com o estado de humor em que nos encontramos nessa altura.
Por exemplo, quando se sente feliz tenderá a seleccionar ou recuperar memórias, em que o seu conteúdo é efectivamente positivo (mais do que se for um material que tenha uma representação deprimente ou negativa). Aquilo que experienciamos é então melhor aprendido se o tom afectivo da informação a que temos acesso, está em harmonia com o que estamos a sentir naquele momento.
Outro aspecto importante a considerar, é que a memória pode ser dependente do estado de humor, ou seja, há uma elevada probabilidade de recordar material que foi aprendido num determinado estado de humor, quando voltamos a estar num outro momento, num estado de humor semelhante.
Simplificando, se ouvir uma história ou viver um episódio da sua vida enquanto se estava a sentir triste ou deprimido, essa história ou acontecimento terá mais probabilidade de ser recordada quando se encontra novamente num estado de humor idêntico aquele em que tinha quando viveu essa situação.
O que a investigação nos diz é que este fenómeno varia em função da natureza do material memorizado, sendo mais consistente quando o tipo de conteúdo memorizado é auto-referente, ou seja, quando tem mais implicações na nossa pessoa, ou se preferirmos, quando é emocionalmente mais significativo.
Isto leva-nos a reflectir sobre a forma como a nossa memória se organiza. Será importante ter em conta que as memórias de acontecimentos emocionalmente intensos são retidas de forma diferente das memórias de acontecimentos tidos como neutros. Uma vez que as primeiras têm maiores implicações no equilíbrio psicológico e na capacidade de mantermos a integridade da nossa estrutura interna, tal informação fica portanto codificada no nosso cérebro de formas mais complexas, com ligações mais densas. É no entanto curioso pensar, que as memórias que mais nos influenciam, são aquelas que temos mais dificuldade em aceder.
Se um determinado acontecimento das nossas vidas, desencadeia emoções extremas, ou se somos expostos a uma situação traumática intensa e repetida, tendemos a desenvolver vários tipos de reacções defensivas que vão desde a simples negação da realidade vivida até aquilo que chamamos de amnésia psicogénica.
Existe nestes casos, uma quantidade abundante de informação significativa que não estará acessível à consciência sem a ajuda de pistas contextuais adequadas. A nossa emoção, que embora possa inibir o processamento de detalhes que são irrelevantes ou secundários à situação que desencadeou a nossa resposta emocional, é responsável por revestir a memória de características centrais ou essenciais dos eventos traumáticos.
Enquanto aspectos factualmente neutros da nossa memória, requerem um processamento mais intencional no nível da recordação explícita, aspectos emocionais fortemente associados a detalhes perceptivos e sensoriais (audição, visão, olfacto, e outros) evocados na altura do acontecimento, são mais difíceis de serem recuperados com tentativas explícitas. Tais eventos são mais acessíveis sob condições de recordação implícita.
Resumindo, a nossa dificuldade em recordar eventos emocionais significativos, consiste parcialmente no acesso insuficiente à informação sobre a situação, armazenada a um nível explícito (ou consciente) da memória.
Esta aparente diferença na organização das nossas memórias, mas ao mesmo tempo interligada, dá assim origem ao fenómeno da dissociação da memória, ou seja, em que a emoção que esteve associada ao evento que a desencadeou, volta a ser experienciada na ausência desse evento. Esta dissociação de memória, pode-se também evidenciar de maneira oposta, quando recordamos a informação da situação, mas não conseguimos aceder ao impacto emocional que essa situação teve em nós. É uma memória sem emoção aparente.
Poderá perguntar-se sobre qual a utilidade de recuperar o que não nós é naturalmente acessível na nossa mente consciente? Porquê remexer em algo que a nossa memória não nos quer mostrar?
A possibilidade de ter acesso a tal movimento interno de procura, ajuda-nos a perceber a causa da nossa predisposição para agirmos num padrão que não nos satisfaz, de passarmos a ter a possibilidade de quebrar esse padrão, refinando-o e aprimorando a forma como ele se manifesta, tornando-o mais adaptativo e satisfatório.